quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Votar Pela Primeira Vez

(…) A experiência de votar pela primeira vez não fica muito atrás da de registar um nascimento, uma morte ou um casamento e é de longe mais profunda do que a maior parte dos outros deveres cívicos, é um rito de passagem que o lança de forma irrevogável nesse novo território da vida adulta. Apesar de beber, fazer sexo e conduzir (não de forma simultânea) serem todos capazes de nos conferir maturidade, não há nada verdadeiramente igual ao ato de votar para nos fazer sentir que o mundo exterior já nos leva a sério. A diferença entre esta atividade e as restantes é que essas são sobretudo hedonistas: em teoria podemos beber e fazer sexo de forma responsável, mas, na prática, tais atividades pertencem ao campo dos prazeres pessoais. Mais ainda, são subjetivas, enquanto o ato de votar nos transfere para o mundo objetivo, coloca-nos como parte do demos ou comunidade de cidadãos e lembra-nos, por isso, a responsabilidade que temos para com os outros.

Robert Rowland Smith, “Uma Viagem Com Platão”, lua de papel, 2011, Tradução de Francisco J. Azevedo Gonçalves, p. 102

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Homem é um caminhante

Qual é coisa qual é ela, que de manhã anda em quatro patas, a meio do dia anda em duas e à noite em três? Se não souberes, mato-te; se souberes, mato-me.
Era este o enigma da Esfinge, o monstro mítico que, empoleirado como um louco nos limites da cidade de Tebas, na Grécia antiga, atormentava os viajantes com aquela aposta exorbitante. Antes de o enigma ser solucionado, muitos caíram na armadilha do monstro, metade homem, metade leão; e quando foi resolvido, quem conseguiu o feito foi, nada mais nada menos que Édipo. A sua resposta foi, é claro, o Homem (…).
Por sobre a camada de horrores, o jogo cruel da Esfinge alude à profunda ligação entre o Homem e o caminhar. No enigma, o “Homem” – e aqui vamos ler igualmente “mulher” – é definido pela sua capacidade de se mover sobre os membros inferiores. Enquanto a Esfinge era quadrúpede (era essa a razão da sua inveja?) o Homem é bípede e, (…), isso acarreta vantagens tanto teológicas como evolucionárias. Seja lá o que for para lá disso, o Homem é um caminhante, um passeante, um peão e, por isso, quando em bebés, nos erguemos apoiados nas ancas, para vacilarmos nas frágeis extremidades, com uma mão no sofá, estamos a fazer mais do que tentar chegar às bolachas no prato da mãe - estamos a juntar-nos à espécie no seu todo.

Robert Rowland Smith, “Uma Viagem Com Platão”, lua de papel, 2011, Tradução de Francisco J. Azevedo Gonçalves, p. 23

Imagem retirada daqui

sábado, 24 de dezembro de 2011

"Vida" - Manuel da Fonseca






















Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo...
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva, maldita selva,
antes o deserto, a sede e a morte!

Manuel da Fonseca, in "Rosa dos Ventos"

sábado, 17 de dezembro de 2011

Cesária Évora - Mar Azul

Será a clonagem humana moralmente aceitável?
















Será a clonagem humana moralmente aceitável?

Há duas possíveis aplicações para a clonagem humana: a clonagem terapêutica, que não vou abordar neste ensaio, e a clonagem reprodutiva. Este tipo de clonagem visa a criação de indivíduos geneticamente iguais a um organismo já existente, através do processo de transferência nuclear. Este processo consiste em introduzir um núcleo dador num ovócito anucleado, implantar a nova célula obtida num útero e esperar pelo desenvolvimento do feto.

Importa chegar a um consenso acerca da moralidade da clonagem. Enquanto não o fizermos, poderemos estar injustificadamente a privar as pessoas de gozarem de um novo meio de reprodução.

Irei defender que, dado o deficiente estado de aperfeiçoamento da técnica da clonagem, não é moralmente aceitável recorrer à clonagem reprodutiva humana.



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sábado, 10 de dezembro de 2011

Lua cheia: um indutor natural do parto?

13 de Setembro de 2011. Ao serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria vão chegando senhoras grávidas com queixas de contracções dolorosas. Visivelmente muitas delas estarão já em trabalho de parto.

-Isto hoje é uma enchente, comenta um futuro pai para outro.
-É verdade, parece que só já têm uma cama livre. Se isto assim continua penso que vão começar a redireccionar para outros hospitais.
-É normal, ontem foi noite de Lua cheia... Quando reparei nisso adivinhei logo que seria para hoje...

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Direitos do Homem

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Educação e responsabilidade

(…) Reza a 244 que intervêm no processo de avaliação dos alunos, na qualidade de responsáveis, o professor, o próprio aluno, o conselho de turma, os órgãos de gestão da escola, o encarregado de educação, os serviços com competência em matéria de apoio socioeducativo e a administração educativa.

Acrescenta a portaria que «compete ao conselho pedagógico [...], de acordo com as orientações do currículo nacional, definir, no início do ano lectivo, os critérios de avaliação para cada ano de escolaridade, disciplina e Formação Cívica, sob proposta dos departamentos curriculares, contemplando obrigatoriamente critérios de avaliação da componente prática e ou experimental, de acordo com a natureza das disciplinas e da Formação Cívica.»
(…)
O que será que isto dá na prática?

Dá uma imensa salada! Senão, vejamos: num país que saiba bem o que quer, isto pode significar que o currículo nacional aprovado é aplicado em todas as escolas públicas, encontrando cada escola o processo mais conveniente de o fazer, e entregando a responsabilidade última ao professor encarregado desta ou daquela turma. Os resultados obtidos por esse professor podem ser facilmente aferidos em exames nacionais, e estratégias e desvios explicados por condições e circunstâncias apontadas por esse exato docente em atas de reuniões de grupo e de conselhos de turma.

A corresponsabilidade (quase nacional, caramba!...), sentida e imputada àqueles intervenientes todos que são indicados mais acima, só pode ser tomada com tempero: que diacho, é no professor que residem as decisões fundamentais do ato educativo, é a ele que podemos pedir competência e batatinhas!


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Bertolt Brecht


















Primeiro levaram os negros.
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
Mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Mas não me importei com isso.
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
Mas como tenho meu emprego, também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Aristóteles


Aristóteles contribuiu para o desenvolvimento de muitas ciências, mas, em retrospectiva, percebe-se que o valor desse contributo foi bastante desigual. A sua química e a sua física são muito menos impressionantes do que as suas investigações no domínio das ciências da vida. Em parte porque não possuía relógios precisos nem qualquer tipo de termómetro, Aristóteles não tinha consciência da importância da medição da velocidade e da temperatura. Ao passo que os seus escritos zoológicos continuavam a ser considerados impressionantes pelo próprio Darwin, a sua física estava já ultrapassada no século vi d. C.


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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Argumento de autoridade

Aos argumentos baseados na opinião de um ou mais especialistas chama-se argumentos de autoridade. Os argumentos de autoridade têm geralmente a seguinte forma lógica (ou são a ela redutíveis): “a disse que P; logo, P”. Por exemplo: “Aristóteles disse que a Terra é plana; logo, a Terra é plana”. Um argumento de autoridade pode ainda ter a seguinte forma lógica: “Todas as autoridades dizem que P; logo, P”.
A maior parte do conhecimento que temos de física, matemática, história, economia ou qualquer outra área baseia-se no trabalho e opinião de especialistas. Os argumentos de autoridade resultam desta necessidade de nos apoiarmos nos especialistas. Por isso, uma das regras a que um argumento de autoridade tem de obedecer para poder ser bom é esta:
1. O especialista (a autoridade) invocado tem de ser um bom especialista da matéria em causa.

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terça-feira, 22 de novembro de 2011

Portugal, universitários e ignorância?

Enquanto Portugal se ri da auxiliar de acção médica concorrente da Casa dos Segredos, que julga que África é um país da América do Sul, a SÁBADO fez um teste básico a 100 alunos de universidades de Lisboa. Veja o vídeo do Vox Pop com as respostas mais curiosas.

Ana Amaro, de 18 anos, que frequenta a licenciatura com o mestrado integrado em Psicologia do Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA), está a fumar à porta da faculdade, em Alfama. Aceita participar no teste de cultura geral da SÁBADO (20 perguntas, divididas por dois questionários de 10, ambos com um grau de dificuldade mínimo), mas está mais preocupada em acabar o cigarro. À quinta questão (qual é a capital dos Estados Unidos?), começa a atrapalhar-se. “Estados Unidos...? A esta hora é muita mau”, queixa-se. Não são 7h, são 13h30, e os colegas começam a sair para o almoço. Mas Ana parece ter acordado há 10 minutos, suspeita que a própria confirma.
A partir daí, é sempre a cair.

Não sabe quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo, quem fundou a Microsoft, quem é Maria João Pires nem que instrumento toca. E não parece preocupada. Afinal, acabou de acordar.

“Não dei isso no 12.º ano”, “Cinema não é comigo”, “Não me dou bem com a literatura” – na arte de justificar a ignorância, os estudantes universitários inquiridos pela SÁBADO têm nota máxima. “Se perguntasse alguma coisa de psicologia, agora cultura geral...”, diz Janine Pinto, optando pela desculpa número um.

– Quem pintou o tecto da Capela Sistina?
– Ai, agora... Tudo o que tem a ver com capelas e igrejas não sei (desculpa número dois dos universitários).
– E quem escreveu O Evangelho Segundo Jesus Cristo?
– Eh pá! Coisas com Jesus Cristo?! Sou fraca em religião ... (desculpa número três).

E se é que isto serve de desculpa, aqui vai a número quatro: Janine, tal como muitos outros inquiridos, não está num curso de Teologia, nem de Artes.

Mas Bruno Marques, 18 anos, no 1.º ano de Ciências da Cultura na Faculdade de Letras, escorrega num tema que deveria dominar.

– Quem é Manoel de Oliveira?
– Já ouvi falar, mas não sei quem é.
– Estás em Ciências da Cultura. Dás Cinema?
– Sim, algumas coisinhas, mas não



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Power Balance arrisca falência com novo pedido de indemnização - Sociedade - PUBLICO.PT

Power Balance arrisca falência com novo pedido de indemnização - Sociedade - PUBLICO.PT

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

A Inquisição e o declínio do Império

Em 1513, Portugal precisava de astrónomos; na década de 1520, a liderança científica tinha acabado. O país tentou criar uma nova tradição astronómica e matemática cristã, mas fracassou, até porque os bons astrónomos foram alvo da suspeita de judaísmo.
Tal como em Espanha, os Portugueses esforçaram-se ao máximo em fechar-se a influências estrangeiras e heréticas. A educação formal era controlada pela Igreja, que mantinha um currículo medieval centrado na gramática, retórica e argumentação escolástica. Característicos eram o exibicionismo e o bizantinismo (247 regras rimadas e decoradas da sintaxe de substantivos latinos). A única ciência de nível superior seria encontrada na faculdade de medicina de Coimbra. Mesmo aí, porém, poucos professores estavam dispostos a trocar Galeno por Harvey, ou a ensinar as ideias ainda mais perigosas de Copérnico, Galileu e Newton, todos banidos pelos Jesuítas ainda em 1746.

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Amato Lusitano

Porque talvez uma das primeiras figuras da Medicina portuguesa seja Amato Lusitano , procuraremos analisar brevemente a sua vida. Nasceu em 1511, em Castelo Branco, João Rodrigues de Castelo Branco. Estudou Medicina em Salamanca, onde se formou em 1530.
Trabalhou durante um tempo em Lisboa, donde acabou por saír para Antuérpia, como resultado das dificuldades impostas pela Inquisição aos médicos judeus.

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sábado, 19 de novembro de 2011

SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

Passeando pelas brisas da tarde...





























Localizada no concelho de Santiago do Cacém, a Lagoa de Santo André é um dos mais belos locais com que a natureza nos brindou. O extenso lençol de água, ladeado de dunas de grão de areia dourada e uma avifauna riquíssima e diversificada tornam este local bastante aprazível.

Juntamente com a Lagoa da Sancha, foi criada a Reserva Natural das Lagoas de Santo André e da Sancha, de modo a proteger e preservar estas importantes zonas húmidas que albergam habitats de grande valor natural, constituindo paisagens únicas, donas de uma luminosidade muito própria e encantadora.

Guia das Cidades

Passeando pelas brisas da tarde...




quinta-feira, 17 de novembro de 2011

SERMÃO DE SANTO ANTÓNIO AOS PEIXES

Enfim, que havemos de pregar hoje aos peixes? Nunca pior auditório. Ao menos têm os peixes duas boas qualidades de ouvintes: ouvem e não falam. Uma só cousa pudera desconsolar ao pregador, que é serem gente os peixes que se não há-de converter. Mas esta dor é tão ordinária, que já pelo costume quase se não sente. Por esta causa mão falarei hoje em Céu nem Inferno; e assim será menos triste este sermão, do que os meus parecem aos homens, pelos encaminhar sempre à lembrança destes dois fins.
Vos estis sal terrae. Haveis de saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós, tem duas propriedades, as quais em vós mesmos se experimentam: conservar o são e preservá-lo para que se não corrompa. Estas mesmas propriedades tinham as pregações do vosso pregador Santo António, como também as devem ter as de todos os pregadores. Uma é louvar o bem, outra repreender o mal: louvar o bem para o conservar e repreender o mal para preservar dele. Nem cuideis que isto pertence só aos homens, porque também nos peixes tem seu lugar. Assim o diz o grande Doutor da Igreja S. Basílio: Non carpere solum, reprehendereque possumus pisces, sed sunt in illis, et quae prosequenda sunt imitatione: «Não só há que notar, diz o Santo, e que repreender nos peixes, senão também que imitar e louvar.» Quando Cristo comparou a sua Igreja à rede de pescar, Sagenae missae in mare, diz que os pescadores «recolheram os peixes bons e lançaram fora os maus»:Elegerunt bonos in vasa, malos autem foras miserunt. E onde há bons e maus, há que louvar e que repreender. Suposto isto, para que procedamos com clareza, dividirei, peixes, o vosso sermão em dois pontos: no primeiro louvar-vos-ei as vossas virtudes, no segundo repreender-vos-ei os vossos vícios. E desta maneira satisfaremos às obrigações do sal, que melhor vos está ouvi-las vivos, que experimentá-las depois de mortos.
(...)
Mas porque nestas duas acções teve maior parte a omnipotência que a natureza (como também em todas as milagrosas que obram os homens) passo às virtudes naturais e próprias vossas. Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam nem domesticam. Dos animais terrestres o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam. Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem connosco, o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento. Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos, lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande que se fie do homem, nem tão pequeno que não fuja dele. Os autores comummente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião. Não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro, e me parece que, se não fora natureza, era grande prudência. Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre! Se os animais da terra e do ar querem ser seus familiares, façam-no muito embora, que com suas pensões o fazem. Cante-lhes aos homens o rouxinol, mas na sua gaiola; diga-lhes ditos o papagaio, mas na sua cadeia; vá com eles à caça o açor, mas nas suas piozes; faça-lhes bufonarias o bugio, mas no seu cepo; contente-se o cão de lhes roer um osso, mas levado onde não quer pela trela; preze-se o boi de lhe chamarem formoso ou fidalgo, mas com o jugo sobre a cerviz, puxando pelo arado e pelo carro; glorie-se o cavalo de mastigar freios dourados, mas debaixo da vara e da espora; e se os tigres e os leões lhe comem a ração da carne que não caçaram no bosque, sejam presos e encerrados com grades de ferro. E entretanto vós, peixes, longe dos homens e fora dessas cortesanias, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água. De casa e das portas a dentro tendes o exemplo de toda esta verdade, o qual vos quero lembrar, porque há filósofos que dizem que não tendes memória.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

O Argumento Indutivo Por Analogia

Não há nada como um argumento por analogia. Bem, talvez um pato. Uma utilização do argumento por analogia é encontrada em resposta à questão de o que ou quem criou o universo. Algumas pessoas argumentaram que, como o universo é como um relógio, deve ter sido um Relojoeiro. Como o empirista britânico do século XVIII, David Hume, referiu, este argumento é traiçoeiro, uma vez que não há nada que seja perfeitamente análogo para o universo como um todo, a menos que seja outro universo, por isso não devíamos tentar desvalorizar alguma coisa que seja apenas uma parte deste universo. Em todo o caso, porquê um relógio?, pergunta Hume. Porque não dizer que o universo é semelhante a um canguru? Afinal de contas, ambos são sistemas organicamente interligados. Todavia, a analogia do canguru conduziria a uma conclusão muito diferente acerca da origem do universo: nomeadamente, que nasceu de outro universo depois de esse universo fazer sexo com um terceiro universo. Um problema fundamental dos argumentos por analogia é a suposição de que, como alguns aspectos de A são semelhantes a B, outros aspectos de A são semelhastes a B. Ora, não é necessariamente assim.
p. 51

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Argumentos dedutivos e argumentos indutivos

É comum falar em argumentos dedutivos, opondo-os aos indutivos. Este artigo procura mostrar que há um conjunto de aspectos subtis que devem ser tidos em linha de conta, caso contrário será tudo muito confuso.
Antes de mais: a expressão "argumento indutivo" ou "indução" dá origem a confusões porque se pode ter dois tipos muito diferentes de argumentos: as generalizações e as previsões. Uma generalização é um argumento como
Todos os corvos observados até hoje são pretos.
Logo, todos os corvos são pretos.
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Filosofia em pedacinhos - Então? É ciência ou não?

Morreu o pintor Júlio Resende


















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quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Livro do Desassossego

A arte é um esquivar-se a agir, ou a viver. A arte é a expressão intelectual da emoção, distinta da vida, que é a expressão volitiva da emoção. O que não temos, ou não ousamos, ou não conseguimos, podemos possuí-lo em sonho, e é com esse sonho que fazemos arte. Outras vezes a emoção é a tal ponto forte que, embora reduzida a acção, a acção, a que se reduziu, não a satisfaz; com a emoção que sobra, que ficou inexpressa na vida, se forma a obra de arte. Assim, há dois tipos de artista: o que exprime o que não tem e o que exprime o que sobrou do que teve.


s.d.
Livro do Desassossego. Vol.II. Fernando Pessoa. (Organização e fixação de inéditos de Teresa Sobral Cunha.) Lisboa: Presença, 1990. - 500.


Pintura de Emerenciano

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Maria João Pires, Pierre Boulez, BPO - Mozart Concerto para Piano n º 20

O que é a Lógica?

A Lógica é uma das disciplinas intelectuais mais antigas e uma das mais modernas. O seu início remonta ao século IV a.C. (...). A Lógica sofreu uma revolução por volta do início do século XX, graças à aplicação das novas técnicas matemáticas, e na última metade do mesmo século encontrou aplicações radicalmente novas e importantes na computação e no processamento da informação. (...)
A maioria das pessoas gosta de pensar que é lógica. Dizer a alguém «Não estás a ser lógica» é normalmente uma forma de crítica. Ser ilógico é ser confuso, desordenado, irracional. Mas o que é a Lógica? (...)
Todos nós raciocinamos. Tentamos descobrir como as coisas são raciocinando com base naquilo que já sabemos. Tentamos persuadir os outros de que algo é de determinada maneira dando-lhes razões. A Lógica é o estudo do que conta como boa razão para o quê e o porquê. Temos, no entanto, de compreender esta afirmação de um certo modo. Aqui estão dois trechos de raciocínio – os lógicos chamam-lhe inferências:
1. Roma é a capital da Itália, e este avião aterra em Roma; Logo, este avião aterra em Itália.
2. Moscovo é a capital dos EUA; logo não podemos ir a Moscovo sem ir aos EUA.
Em ambos os casos, as afirmações antes do «logo» – os lógicos chamam-lhe premissas – são as razões dadas; as afirmações depois do «logo» – os lógicos chamam-lhe conclusões – são aquilo que as razões devem sustentar. O primeiro trecho de raciocínio está correcto, mas o segundo é completamente descabido e não iria persuadir ninguém com um conhecimento elementar de geografia: a premissa de que Moscovo é a capital dos EUA é, simplesmente falsa. Note-se que, contudo, se a premissa fosse verdadeira – por exemplo, se os EUA tivessem comprado a Rússia toda (e não apenas o Alasca) e tivessem mudado a Casa Branca para Moscovo para estarem perto dos centros de poder europeus –, a conclusão seria de facto verdadeira. A conclusão Ter-se-ia seguido das premissas; e essa é a preocupação da Lógica. A Lógica não se preocupa em saber se as premissas de uma inferência são verdadeiras ou falsas. Isso é o trabalho de outras pessoas (neste caso, do geógrafo). A Lógica está apenas preocupada em saber se a conclusão se segue das premissas. Os lógicos chamam válidas a todas as inferências em que, de facto, a conclusão se segue das premissas. Assim o objectivo principal da Lógica é compreender a validade.»

Graham Priest, Lógica para Começar,Temas e Debates, pp.11-15

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

"Yes I Know"

Comboio Nocturno Para Lisboa

Fenómeno editorial na Europa, Comboio Nocturno para Lisboa vendeu dois milhões e meio de exemplares desde que foi publicado em 2004 na Alemanha, onde ficou três anos na tabela dos livros mais vendidos. O sucesso transformou até o título do livro escrito por Pascal Mercier - pseudónimo literário do filósofo Peter Bieri -, numa expressão idiomática, usada para referir alguém que pretende mudar de vida. São, de resto, muitos os estrangeiros que, nos últimos anos, se deslocam até Lisboa em demanda de Amadeu do Prado.
Mas tudo começa numa manhã chuvosa. Uma mulher prepara-se para saltar de uma ponte de Berna. Raimund Gregorius, um banal professor de grego e latim de 57 anos, evita o acto desesperado e fica surpreendido com o som de uma palavra. Português, responde ela, ao ser questionada sobre a língua que fala.
Antes de desaparecer da história ainda tem tempo de escrever um número de telefone na testa deste míope professor que descobre, por acaso, um livro de um autor português, Amadeu Inácio de Almeida Prado, intitulado Um Ourives das Palavras. Sem conseguir explicar porquê, entra num comboio para Lisboa atrás deste médico que morreu 30 anos antes, em 1975, pouco depois da Revolução, numa descoberta do outro que acaba por ser uma descoberta de si próprio.
Amado pelos pobres que atendia de graça no seu consultório, Amadeu passa a ser rejeitado pelo povo no dia em que aceita tratar o "Carniceiro de Lisboa", assim conhecido por ser chefe da polícia política. Integrará posteriormente a resistência contra o regime de Salazar. Ler aqui

Comboio Nocturno Para Lisboa

quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Cosmos - Céu e Inferno

O Cavaleiro Inexistente

O cavaleiro não fez nenhum gesto. A sua mão direita, calçada de guantes bem ajustados, agarrou com mais força o arção da sela, enquanto o outro braço, que segurava o escudo, parecia agitado por um calafrio.
- Eh, paladino, é convosco que falo! – insistiu Carlos Magno. – Porque não mostrais o rosto ao vosso rei?
A voz saiu nítida da babeira. – Porque eu não existo, Sire.
- Ora esta! – exclamou o imperador. – Temos agora nas nossas forças um cavaleiro que não existe. Deixa ver.
Agilulfo ainda pareceu hesitar. Depois, com a mão firme, mas lenta, levantou a viseira. O elmo estava vazio. Na armadura branca de irisada cimeira não estava ninguém.
- Olha, olha! Vê-se cada uma! – disse Carlos Magno. – E como é que fazeis para prestar serviço, se não existis?
- Com a força de vontade – disse Agilulfo – e a fé na nossa causa!
- Sim senhor, bem dito. É assim que se cumpre o dever. Bem, para um homem que não existe, tendes bom aspecto.

Italo Calvino, O Cavaleiro Inexistente, tradução de Fernanda Ribeiro, Editorial Teorema, Lisboa, 1986, pp. 10-11

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

O Cavaleiro Inexistente

-E vós? - O rei tinha parado em frente de um cavaleiro de armadura toda branca; só uma risca negra corria em redor das orlas, mas, no resto, era imaculada, impecável, sem um arranhão, bem acabada no seu conjunto, tendo no cimo do elmo um penacho de, sabe-se lá, que raça oriental de galo, matizado de todas as cores do arco-íris. No escudo estava desenhado um brasão entre as duas orlas de um amplo manto drapejado; dentro do brasão abriam-se outras duas orlas de manto, tendo, no centro, um brasão ainda mais pequeno, que continha, por seu turno, um outro brasão, mais pequeno ainda. Com um traçado, cada vez mais subtil, estava figurada uma série de mantos que se escondiam uns dentro dos outros e, no fundo, devia haver qualquer coisa, mas que não se conseguia descobrir, de tal maneira o desenho se tornava minúsculo. – E vós, aí tão asseado… - disse Carlos Magno, que, quanto mais a guerra durava menos respeito tinha pela limpeza dos paladinos.
- Eu sou – a voz saía metálica de dentro do elmo fechado, como se saísse, não de uma garganta, mas da vibração do próprio aço da armadura e com uma ligeira repercussão de eco – Agilulfo Emo Bertrandino das Guildivernas e outras, de Carpentras e Sura, cavaleiro de Selímpia Citerior e Fez!
- Aaah … - fez Carlos Magno, e avançou o lábio inferior dando um pequeno assobio como que a dizer: «Se tivesse de me recordar do nome de todos, estava bem arranjado!» Mas de repente franziu os sobrolhos. – Porque não levantaste a viseira e não mostraste o rosto?

pp. 8-9

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O Cavaleiro Inexistente

Sob as muralhas vermelhas de Paris alinhava o exército de França. Carlos Magno devia passar em revista os paladinos. Há mais de três horas que estavam ali. Era uma tarde um pouco encoberta e enevoada de princípios de Verão. Nas armaduras fervia-se como numa panela posta a cozer a fogo lento. Talvez alguém, naquela fila imóvel de cavaleiros, tivesse perdido os sentidos ou simplesmente adormecido, mas a armadura mantinha-os firmes nas selas, todos da mesma maneira. De súbito, três vibrações de trompa: as plumas das cimeiras estremeceram no ar imóvel e cala-se, num instante, aquela espécie de mugido marinho que se tinha ouvido até ali, que não era senão o sussurro dos guerreiros abafado pela embocadura dos elmos. Ei-lo finalmente, Carlos Magno que avançava, lá ao longe, num cavalo que parecia maior que o natural, a barba sobre o peito e as mãos pousadas no cepilho da sela. Reinar e guerrear, guerrear e reinar, sem tréguas nem descanso. Parecia um pouco envelhecido desde a última vez que o tinham visto aqueles guerreiros.
Parava o cavalo diante de cada oficial e voltava-se para olhar de alto a baixo. – E quem sois vós, paladino de França?

pp.5-6

SALTARELLO

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Verão
















Edward Hopper,Summertime, 1943



O Verão É Assim


O verão é assim: a masculina e mineral
e quase táctil vibração das cigarras.
Não sou apenas eu, também elas
se alimentam de claridade,
fogem do escuro.
Porque o escuro é onde se abrigam
a calúnia e a usura,
o escuro é onde a vaidade
e a demência do lucro acorrem
ao apelo do mais rasteiro.
O Céu não passa de um imenso
e vazio buraco negro,
mas tenho a esperança que o Inferno
conserve ainda activas as fogueiras
da inquisição, e nas suas chamas
possam ouvir-se um dia
esses cães, que tanto abusam do poder,
rechinar – como as cigarras no verão.

Eugénio de Andrade

In O Sal da Língua

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Sermão de Santo António aos Peixes

S. Jerónimo - José de Ribera




















S. Jerónimo, Museu Regional de Beja


José de Ribera (Xàtiva, 12 de Janeiro de 1591 – Nápoles, 1652); pintor tenebrista espanhol do sec. XVII, também conhecido como Giusepe de Ribera ou com o nome italianizado de: Giuseppe Ribera. Foi apelidado pelos seus contemporâneos como Lo Spagnoletto, «el espanholito», por ser de baixa estatura e porque reivindicava as suas origens assinando como «Jusepe de Ribera, espanhol» o «setabense» (de Játiva).
Ribera é um pintor destacado da Escola Espanhola, embora a sua obra se tenha integralmente realizado em Itália não se conhecendo de facto exemplos seguros dos seus inícios em Espanha. Wikipédia
Um pintor tenebrista abusa dos contrastes entre o claro e o escuro (“chiaroscuro”), dando mais ênfase ao escuro, o que afeta toda a composição da pintura.aqui

Danúbio Azul

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A Cidade das Palavras


Certa vez, quando questionado sobre a razão por que escrevia, Alfred Döblin, um dos maiores romancistas do século XX, respondeu que essa era uma pergunta que se recusava a fazer a si próprio. «O livro acabado não me interessa», disse ele, só o livro que estava a ser escrito, «o livro por vir.» A escrita era, para Döblin, uma acção que joeirava o presente no futuro, um fluxo constante de linguagem que possibilitava às palavras darem forma e nomearem a realidade que está num processo constante de formação. «O método não tem lugar na arte, a loucura é melhor», escreveu ele numa carta ao poeta italiano F: T: Marinetti, após este lhe ter proposto, no Figaro parisiense de 20 de Fevereiro de 1909, que os artistas adoptassem um «método futurista» na execução do seu labor, abraçando «a acção, a violência e a mudança industrial». «Trata do teu futurismo», instruiu Döblin o seu colega efusivo, «eu trato do meu döblinismo.»
(…) Era um homem de contradições estranhas: judeu prussiano que se converteu ao catolicismo já tarde na vida, socialista radical que se opôs aos princípios da Revolução Russa, psiquiatra que admirava Freud mas duvidava dos dogmas da psicanálise e proponente de uma literatura exuberante que transgredia constantemente as suas próprias regras mas buscava nos livros tradicionais da Bíblia a mitologia básica da sua ficção. O tema era a identidade em mutação do mundo do século XX, mas o herói era o homem comum, o Job do Antigo Testamento, sofredor mas não submisso, sonoro mas não estridente, epítome da vítima injustificada.
(…) Ainda assim, a sua concepção da língua como instrumento para, ao mesmo tempo, dar forma e compreender a realidade permanece, creio, totalmente válida hoje em dia. A língua, para Döblin, é uma coisa viva que não «reconta» o nosso passado, mas o «representa»: «obriga» a realidade a manifestar-se, escava as suas profundezas e traz à luz as situações fundamentais, grandes e pequenas, da condição humana». Permite-nos saber, efectivamente, porque estamos juntos. A maior parte das funções humanas é singular: não precisamos dos outros para respirar, caminhar, comer ou dormir. Mas precisamos dos outros para falar e receber o reflexo do que dizemos. A língua, como declarou Döblin, é uma forma de amar os outros.
pp.15-17

sábado, 2 de julho de 2011

As escolhas de Regina Duarte

A Vida Que Podemos Salvar

Quando viu o homem cair na linha do metro, Wesley Autry não hesitou. Ao ver as luzes do comboio que se aproximava, Autry, trabalhador da construção civil, saltou para a linha e empurrou o homem para uma vala de drenagem entre os carris, cobrindo-o com o próprio corpo. O comboio passou sobre eles, deixando um rasto de óleo no boné de Autry. Mais tarde convidado para o Discurso sobre o Estado da Nação e tendo recebido do presidente um elogio pela sua coragem, Autry minimizou o valor das suas acções: «Não sinto que tenha feito nada de espectacular. Apenas vi alguém que precisava de ajuda. Fiz o que me pareceu correcto.»
E se eu dissesse que também o leitor pode salvar a vida de uma pessoa, ou mesmo de muitas? Tem uma garrafa de água ou uma lata de refrigerante a seu lado sobre a mesa enquanto lê este livro? Se paga por uma bebida quando dispõe de água potável a sair da torneira, tem dinheiro para gastar em coisas de que realmente não necessita. Em todo o mundo, cerca de mil milhões de pessoas lutam para viver cada dia com menos do que o leitor pagou por essa bebida. Uma vez que não podem pagar sequer os cuidados de saúde mais elementares às suas famílias, os seus filhos podem morrer devido a doenças simples e fáceis de tratar, como a diarreia. Podemos ajudar estas pessoas e, ainda para mais, ao fazê-lo não corremos o risco de ser atingidos por um comboio que se aproxima.

pp.9-10

Discurso no Parlamento do Ministro Nuno Crato

porcupine tree- feel so low

quarta-feira, 8 de junho de 2011

À Descoberta do Amor




















Ensaia um sorriso
e oferece-o a quem não teve nenhum.
Agarra um raio de sol
e desprende-o onde houver noite.
Descobre uma nascente
e nela limpa quem vive na lama.
Toma uma lágrima
e pousa-a em quem nunca chorou.
Ganha coragem
e dá-a a quem não sabe lutar.
Inventa a vida
e conta-a a quem nada compreende.
Enche-te de esperança
e vive à sua luz.
Enriquece-te de bondade
e oferece-a a quem não sabe dar.
Vive com amor
e fá-lo conhecer ao Mundo.

Mahatma Gandhi

terça-feira, 24 de maio de 2011

Paisagem com a Queda de Ícaro

Fonte

Triunfo da vontade

Robert Rauschenberg

Juramento dos Horácios - Jacques-Louis David

John Cage 4'33''