quarta-feira, 31 de agosto de 2011

O Cavaleiro Inexistente

O cavaleiro não fez nenhum gesto. A sua mão direita, calçada de guantes bem ajustados, agarrou com mais força o arção da sela, enquanto o outro braço, que segurava o escudo, parecia agitado por um calafrio.
- Eh, paladino, é convosco que falo! – insistiu Carlos Magno. – Porque não mostrais o rosto ao vosso rei?
A voz saiu nítida da babeira. – Porque eu não existo, Sire.
- Ora esta! – exclamou o imperador. – Temos agora nas nossas forças um cavaleiro que não existe. Deixa ver.
Agilulfo ainda pareceu hesitar. Depois, com a mão firme, mas lenta, levantou a viseira. O elmo estava vazio. Na armadura branca de irisada cimeira não estava ninguém.
- Olha, olha! Vê-se cada uma! – disse Carlos Magno. – E como é que fazeis para prestar serviço, se não existis?
- Com a força de vontade – disse Agilulfo – e a fé na nossa causa!
- Sim senhor, bem dito. É assim que se cumpre o dever. Bem, para um homem que não existe, tendes bom aspecto.

Italo Calvino, O Cavaleiro Inexistente, tradução de Fernanda Ribeiro, Editorial Teorema, Lisboa, 1986, pp. 10-11

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