sábado, 1 de abril de 2017

Igualdade de Oportunidades

“Suponha que alguém diz, por exemplo, o seguinte: «Você só acredita na igualdade de oportunidades porque você é um produto da sociedade liberal ocidental. Se você tivesse crescido numa sociedade de castas ou numa sociedade na qual as possibilidades disponíveis aos homens e às mulheres fossem radicalmente desiguais, não teria as convicções que tem, nem aceitaria como persuasivos os argumentos morais que agora aceita.» A segunda frase, a hipotética, é provavelmente verdadeira; e quanto à primeira? E quanto ao «só», especificamente? Em geral, o facto de eu só acreditar em algo se o tiver aprendido nada demonstra sobre o estatuto da crença nem sobre as suas bases. Pode ser impossível explicar a aprendizagem sem invocar o conteúdo da própria crença nem as razões a favor da sua verdade; e pode ser que o que aprendi tem uma tal natureza que, embora o não tivesse aprendido, seria contudo verdade. A razão por que a falácia genética é isso mesmo, uma falácia, é a de que a explicação de uma crença pode por vezes confirmá-la.
Para ter qualquer conteúdo, uma posição subjectivista tem de conter algo mais do que a afirmação de as minhas convicções morais serem as minhas convicções morais. Afinal, isso é algo com que todos podemos concordar. Um subjectivismo significativo tem de dizer que essas são apenas as minhas convicções – ou as convicções da minha comunidade moral. Tem de restringir de algum modo juízos morais comuns, tem de lhes dar uma leitura que seja autoconscientemente na primeira pessoa (do singular ou do plural). Esse é o único tipo de perspectiva antiobjectivista contra o qual vale a pena argumentar ou até o único de que é possível discordar.
Mas penso que é impossível dar por finda a discussão com a observação de que uma crença na igualdade de oportunidades e um desejo de diminuir as desigualdades herdadas são meramente expressões da nossa tradição cultural. Verdadeiras ou falsas estas crenças têm uma intenção essencialmente objectiva. Talvez estejam erradas, mas também esse seria um juízo relativo. Perante o facto de só recentemente e não universalmente se terem espalhado tais valores temos ainda de decidir se eles são correctos – temos de decidir se deveremos continuar a mantê-los. Esta questão não é desalojada pela informação de contingência: subsiste a questão de saber, ao nível do conteúdo moral, se eu estaria a errar se tivesse aceitado como naturais, e portanto como uma estrutura de classes marcadamente rígida ou a subordinação ortodoxa das mulheres. A questão pode admitir factos adicionais como matéria de reflexão; mas a questão da relevância desses factos é inevitavelmente moral: têm essas variações culturais e históricas, assim como as suas causas, tendência para mostrar que eu e as outras pessoas temos menos razões do que supúnhamos para favorecer a igualdade de oportunidades? A apresentação de um rol de atitudes históricas e culturalmente condicionadas, incluindo as minhas próprias, não desarma o juízo de primeira ordem; dá-lhes apenas mais sobre o que trabalhar- incluindo a informação relativa a influências a formação das minhas convicções, informação essa que me pode levar a mudar de convicções. Mas a própria relevância de tal informação é uma questão de raciocínio moral – acerca do que constitui e do que não constitui boas bases para a crença moral."
        Nagel, Thomas, “A Última Palavra”, Gradiva, 1999, pp. 124-125





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