Os eticistas recorreram igualmente ao princípio de que é errado matar uma pessoa para salvar outra. Retirar os órgãos de Teresa seria matá-la para salvar outros, afirmaram eles; por isso, retirar os órgãos seria errado.
Será este argumento sólido? A proibição de matar é certamente uma das regras morais mais importantes. No entanto, poucas pessoas pensam que matar é sempre errado – a maioria das pessoas pensa que algumas exceções são por vezes justificadas. A questão é, pois, saber se retirar os órgãos da bebé Teresa deveria ser encarrado como uma exceção à regra. Há muitas razões a favor desta ideia, sendo a mais importante que ela morrerá de qualquer maneira, independentemente do que fizermos, ao passo que retirar-lhe os órgãos permitiria pelo menos fazer algum bem a outros bebés. Qualquer pessoa que aceite isto tomará como falsa a primeira premissa do argumento. Em geral é errado matar uma pessoa para salvar outra, mas isso nem sempre é assim.
Mas há outra possibilidade. Talvez a melhor maneira de entender toda a situação fosse encarar desde logo a bebé Teresa como morta. Se isto parece insensato, recorde-se que a «morte cerebral» é hoje amplamente aceite como critério para declarar as pessoas legalmente mortas. Quando o critério da morte cerebral foi proposto pela primeira vez, houve resistências baseadas na ideia de que alguém pode estar cerebralmente morto mas muita coisa continua a funcionar no seu interior – com assistência mecânica o coração pode continuar a bater, pode-se continuar a respirar, e assim por adiante. Mas a morte cerebral foi por fim aceite e as pessoas acostumaram-se a encará-la como «verdadeira» morte. Isto foi sensato porque quando o cérebro para de funcionar deixa de haver esperança de vida consciente.
As anencefalias não satisfazem os requisitos técnicos da morte cerebral tal como é atualmente definida; mas talvez a definição devesse ser reelaborada para as incluir. Afinal de contas, os anencefálicos também não têm perspetivas de vida consciente, pela razão profunda de que não têm cérebro ou cerebelo. Se a definição de morte cerebral fosse reformulada para incluir os anencefálicos, acabaríamos por nos acostumar à ideia de que estes infelizes bebés são nado-mortos e deixaríamos, por isso, de encarar a extração dos seus órgãos como uma forma de os matar. O argumento baseado na ideia de que matar é errado seria então contestável.
Parece pois, no todo, que o argumento a favor do transplante dos órgãos da bebé Teresa é mais forte do que estes argumentos contra o transplante.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 18-19
Será este argumento sólido? A proibição de matar é certamente uma das regras morais mais importantes. No entanto, poucas pessoas pensam que matar é sempre errado – a maioria das pessoas pensa que algumas exceções são por vezes justificadas. A questão é, pois, saber se retirar os órgãos da bebé Teresa deveria ser encarrado como uma exceção à regra. Há muitas razões a favor desta ideia, sendo a mais importante que ela morrerá de qualquer maneira, independentemente do que fizermos, ao passo que retirar-lhe os órgãos permitiria pelo menos fazer algum bem a outros bebés. Qualquer pessoa que aceite isto tomará como falsa a primeira premissa do argumento. Em geral é errado matar uma pessoa para salvar outra, mas isso nem sempre é assim.
Mas há outra possibilidade. Talvez a melhor maneira de entender toda a situação fosse encarar desde logo a bebé Teresa como morta. Se isto parece insensato, recorde-se que a «morte cerebral» é hoje amplamente aceite como critério para declarar as pessoas legalmente mortas. Quando o critério da morte cerebral foi proposto pela primeira vez, houve resistências baseadas na ideia de que alguém pode estar cerebralmente morto mas muita coisa continua a funcionar no seu interior – com assistência mecânica o coração pode continuar a bater, pode-se continuar a respirar, e assim por adiante. Mas a morte cerebral foi por fim aceite e as pessoas acostumaram-se a encará-la como «verdadeira» morte. Isto foi sensato porque quando o cérebro para de funcionar deixa de haver esperança de vida consciente.
As anencefalias não satisfazem os requisitos técnicos da morte cerebral tal como é atualmente definida; mas talvez a definição devesse ser reelaborada para as incluir. Afinal de contas, os anencefálicos também não têm perspetivas de vida consciente, pela razão profunda de que não têm cérebro ou cerebelo. Se a definição de morte cerebral fosse reformulada para incluir os anencefálicos, acabaríamos por nos acostumar à ideia de que estes infelizes bebés são nado-mortos e deixaríamos, por isso, de encarar a extração dos seus órgãos como uma forma de os matar. O argumento baseado na ideia de que matar é errado seria então contestável.
Parece pois, no todo, que o argumento a favor do transplante dos órgãos da bebé Teresa é mais forte do que estes argumentos contra o transplante.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 18-19
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