sábado, 3 de novembro de 2012

Primeiro exemplo: a bebé Teresa

Theresa Ann Campo Pearson, conhecida publicamente como «Bebé Teresa», é uma criança com anencefalia nascida na Florida em 1992. A anencefalia é uma das mais graves deformidades congénitas. Os bebés anencefálicos são por vezes referidos como «bebés sem cérebro», e isto dá basicamente ideia do problema, mas não é uma imagem totalmente correta. Partes importantes do encéfalo – cérebro e cerebelo – estão em falta, bem como o topo do crânio. Estes bebés têm, no entanto, o tronco cerebral e por isso as funções autónomas como a respiração e os batimentos cardíacos são possíveis. Nos EUA, a maior parte dos casos de anencefalia são detetados durante a gravidez e abortados. Dos não abortados, metade nascem mortos. Cerca de trezentos em cada ano nascem vivos e em geral morrem em poucos dias.
A história da bebé Teresa nada teria de notável não fosse o pedido invulgar feito pelos seus pais. Sabendo que a bebé não poderia viver por muito tempo e, mesmo que pudesse sobreviver, nunca iria ter uma vida consciente, os pais da bebé Teresa ofereceram os seus órgãos para transplante. Pensaram que os seus rins, fígado, coração, pulmões e olhos deveriam ir para crianças que pudessem beneficiar deles. Os médicos acharam uma boa ideia. Pelo menos duas mil crianças em cada ano necessitam de transplantes e nunca há órgãos disponíveis suficientes. Mas os órgãos não foram retirados, porque na Florida a lei não permite a remoção de órgãos até o dador estar morto. Quando, nove dias depois, a bebé Teresa morreu era demasiado tarde para as outras crianças – os órgãos não podiam ser transplantados por se terem deteriorado excessivamente.
As histórias dos jornais sobre a bebé Teresa suscitaram uma onda de debates públicos. Teria sido correto remover os órgãos da criança, causando-lhe dessa forma morte imediata, para ajudar outras crianças? Vários eticistas profissionais – pessoas empregadas por universidades, hospitais e escolas de direito, cujo trabalho consiste em pensar nestas coisas – foram solicitados pela imprensa para comentar o tema. Surpreendentemente, poucos concordaram com os pais e os médicos. Apelaram, ao invés, para princípios filosóficos consagrados para se oporem à remoção dos órgãos. «Parece simplesmente demasiado horrível usar pessoas como meio para os objetivos de outras pessoas», afirmou um desses peritos. Outro explicou: «É imoral matar para salvar. É imoral matar a pessoa A para salvar a pessoa B.» Um terceiro acrescentou: «O que os pais estão realmente a pedir é: matem este bebé moribundo para que os seus órgãos possam ser usados por outra pessoa. Bom, isso é de facto uma proposta horrenda.»
Era realmente horrendo? As opiniões dividiram-se. Os eticistas pensavam que sim, enquanto os pais da bebé e os médicos pensavam que não. Mas não estamos apenas interessados no que as pessoas pensam. Queremos conhecer a verdade da questão. Teriam os pais razão ou não, de facto, ao oferecerem os órgãos da bebé para transplante? Se queremos descobrir a verdade temos de perguntar que razões ou argumentos podem ser concedidos a cada uma das partes. O que poderá dizer-se para justificar a ideia de que o pedido estava errado?

James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 14-15

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