sábado, 26 de janeiro de 2013

Tristan und Isolde - Prelude

Poderá alguma vez a violação da lei ser moralmente aceitável?

Algumas pessoas argumentam que a violação da lei nunca se pode justificar: se não estamos satisfeitos com a lei devemos tentar mudá-la através dos meios legais, como as campanhas, a redação de cartas, etc. Mas há muitos casos em que tais protestos legais são completamente inúteis. Há uma tradição de violação da lei em tais circunstâncias conhecida por desobediência civil. A ocasião para a desobediência civil emerge quando as pessoas descobrem que lhes é pedido que obedeçam a leis ou a políticas governamentais que consideram injustas.
A desobediência civil trouxe mudanças importantes no direito e na governação. Um exemplo famoso é o movimento das sufragistas britânicas, que conseguiu publicitar o seu objetivo de dar o voto às mulheres através de uma campanha de desobediência civil pública que incluía o auto-acorrentamento das manifestantes. A emancipação limitada foi finalmente alcançada em 1918, quando foi permitido o voto às mulheres com mais de 30 anos, em parte devido ao impacte da primeira guerra mundial. No entanto, o movimento das sufragistas desempenhou um papel significativo na mudança da lei injusta que impedia as mulheres de participar em eleições supostamente democráticas.
Gandi e Martin Luther King foram ambos defensores apaixonados da desobediência civil. Gandi influenciou decisivamente a independência indiana através do protesto ilegal não violento, que acabou por conduzir ao fim da soberania britânica na Índia; o desafio de Martin Luther King ao preconceito racial através de métodos análogos ajudou a garantir direitos civis básicos para os Negros americanos nos estados americanos do Sul.
Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, tradução Desidério Murcho, Gradiva, 1998, pp. 132-133

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Serenatone

Ética

A ética filosófica ou filosofia moral (os termos «ética» e «moral» serão usados aqui indistintamente) divide-se em duas áreas principais: a metaética e a ética normativa. Na ética normativa discutem-se questões substanciais sobre aquilo que se deve fazer e aquilo que é bom e valioso. A metaética investiga a natureza desse tipo de discussão, ocupando-se de problemas metafísicos, epistemológicos e semânticos suscitados pela ética. Se duas pessoas discordam a respeito de problemas de saber se mentir é sempre errado, têm um desacordo enquadrável na ética normativa. Mas terão um desacordo metaético se divergirem quanto à existência de uma resposta objetiva para esse problema, quanto à possibilidade de o resolver por meios empíricos ou quanto ao tipo de estado mental que alguém exprime ao dizer «Mentir é sempre errado».
Pedro Galvão, Filosofia, Uma Introdução por Disciplinas, Edições 70, 2012, p. 143

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

O castigo como retribuição

Na sua forma mais simples, o retributivismo é a perspetiva segundo a qual aqueles que violam a lei merecem o seu castigo, independentemente de existirem ou não na sociedade quaisquer consequências benéficas para eles ou para a sociedade. Aqueles que violaram intencionalmente a lei merecem sofrer. Existem claramente muitas pessoas que não podem ser completamente responsáveis pela sua própria violação da lei, pelo que merecem um castigo mais moderado ou até, em casos extremos, tratamento, tal como acontece com os doentes mentais graves. Contudo, em geral, de acordo com uma teoria retributivista, o castigo justifica-se como uma resposta adequada à violação da lei. Além disso, a severidade do castigo deve refletir a severidade do crime. Na sua forma mais simples («olho por olho», por vezes conhecida como lex talionis) , o retributivismo exige uma resposta exatamente proporcional ao crime cometido. Em alguns crimes, como a chantagem, é difícil ver o que seria uma resposta adequada: não se pode esperar que o juiz condene o chantagista a seis meses de chantagem. Analogamente, é difícil de perceber como poderia punir-se de forma exatamente proporcional um pobre que tivesse roubado um relógio de ouro. Isto só constitui um problema para o princípio do olho por olho; com formas mais sofisticadas de retributivismo, o castigo não tem de espelhar o crime.
Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, tradução Desidério Murcho, Gradiva, 1998, pp. 125-126

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Subtrair a liberdade: o castigo

O que pode justificar que se subtraia a liberdade a alguém como uma forma de castigo? Por outras palavras, que razões podem dar-se para se exercer a coerção sobre pessoas, tirando-lhe a liberdade no sentido negativo? (…)
Os filósofos têm tentado justificar o castigo estatal de pessoas com base em quatro ideias principais: retribuição, dissuasão, proteção da sociedade e reabilitação da pessoa que sofre o castigo. A primeira é habitualmente defendida a partir de uma posição deontológica; as outras três são tipicamente defendidas com argumentos consequencialistas.
Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Tradução Desidério Murcho, Gradiva, Lisboa, 1998, p. 125

Gnossienne No. 1, 2, 3

sábado, 12 de janeiro de 2013

Relativismo Cultural

O relativismo cultural, como tem sido chamado, desafia a nossa crença habitual na objetividade e universalidade da verdade moral. Afirma, com efeito, que não existe verdade universal em ética; existem apenas os vários códigos morais e nada mais. Além disso, o nosso próprio código moral não tem um estatuto especial; é apenas um entre muitos. Como veremos, esta ideia de base é na realidade um conjunto de vários pensamentos diferentes. É importante separar os vários elementos da teoria porque, durante a análise, algumas partes revelam-se corretas enquanto outras parecem estar erradas. Para começar, podemos distinguir as seguintes afirmações, todas elas apresentadas por relativistas culturais:
1. Sociedades diferentes têm códigos morais diferentes; 2. O código moral de uma sociedade determina o que é correto no seio dessa sociedade, isto é, se o código moral de uma sociedade afirma que certa ação é correta, então essa ação é correta, pelo menos nessa sociedade; 3. Não há qualquer padrão objetivo que se possa usar para ajuizar um código social como melhor do que outro; 4. O código moral da nossa própria sociedade não tem estatuto especial, é apenas um entre muitos; 5. Não há uma «verdade universal» em ética, isto é, não há verdades morais aceites por todos os povos em todos os tempos; 6. É mera arrogância nossa tentar julgar a conduta de outros povos. Deveríamos adotar uma atitude de tolerância face às práticas de outras culturas.
Apesar de poder parecer que estas seis proposições fazem naturalmente parte de um todo, são independentes umas das outras, na medida em que algumas podem ser falsas ainda que outras sejam verdadeiras.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 36-37

Celestial Hobo

sexta-feira, 11 de janeiro de 2013

Relativismo Cultural

Esta observação - «culturas diferentes têm códigos morais diferentes» - pareceu a muitos pensadores ser a chave para compreender a moralidade. A ideia de verdade universal em ética, afirmam, é um mito. Tudo quanto existe são os costumes de sociedades diferentes. Não se pode dizer que estes costumes estão «corretos» ou «incorretos», pois isso implicaria ter um padrão independente de certo e errado pelo qual poderíamos julgá-los. Mas tal padrão não existe; todos os padrões são determinados por uma cultura.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 35-36

sábado, 5 de janeiro de 2013

A IMAGEM ROMÂNTICA

Há outras coisas, Horácio,/ e a tua filosofia é barata,/ na verdade não custa fixar/ as coisas ideais à distância:/ terás vista panorâmica/ mas sempre a visão é polémica./ Gostava que alguém me mostrasse,/ mas não terei nunca garantia/ de que envelhecer faça sentido./ As pessoas prostram-se, queremos que nos digam/ porquê não haver luz nos seus rostos. Crestam/ os cravos, antes rubros. Não há modo/ de saber se as monarcas/ têm memórias arenosas de lagarta./ Tudo sucede dentro de estanques/ casulos, a seda é densa,/ não se faz ideia/ se isto acaba. Estrelas foscas/ correm, pessoas morrem, a vida/ é breve, impávido o/ real se esquiva a designar./ Comparar é colidir: o verbo/ talvez nos leve/ a mais nenhum sinal.
Margarida Vale de Gato, Mulher ao Mar, Mariposa Azual, 2010

Estreaba o horizonte

Amnistia Internacional

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Doze Homens e uma Sentença

Amnistia Internacional - Vida de Cão

Adeus Liberdade. Viva a Liberdade!

Não é raro uma cultura associar o seu mito fundador a uma derrota. E poucas derrotas terão tanto significado para a cultura ocidental como a de Termópilas, o desfiladeiro onde um punhado de gregos resistiu heroicamente ao rolo compressor do maior exército desse tempo, o do imperador persa Xerxes. Foi há quase 2500 anos e a luta determinada que os gregos então travaram, e de que acabariam por sair vitoriosos, foi associada por Heródoto, o primeiro dos historiadores, à luta pela liberdade. “Os gregos querem permanecer livres. Eles só obedecem à lei, não aos comandos de outros homens”, terá dito um emissário grego ao imperador Xerxes, cabeça de um império centralizado e despótico. O preço dessa liberdade, como se comprovou em Termópilas, era elevado, mas “os gregos amam a liberdade sob a lei e vão combater por ela”, como disse o emissário.
Cinquenta anos depois, um outro historiador, Tucídides, colocaria na boca de Péricles, o líder de Atenas no seu século de glória, o elogio do governo da “coisa pública em liberdade”. Na oração fúnebre aos soldados que haviam morrido pela sua cidade, elogiou os que, “graças ao seu esforço”, haviam legado à posteridade aquelas terras “livres”. E foi mais longe. Disse que “felicidade é liberdade e liberdade é coragem”, o que faz com que não se hesite mesmo “perante os perigos da guerra”.
É nestas raízes antigas que o Ocidente funda a sua tradição de Liberdade. Tal como a funda na sua expressão moderna que foi formalizada pela primeira vez na Declaração de Independência dos Estados Unidos, onde se invocam os “direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade”.
José Manuel Fernandes, XXI Ter Opinião 2013, Fundação Francisco Manuel dos Santos, pag.1

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

O mar das maravilhas e dos demónios

Com o objetivo de explicar a origem do mundo, as antigas cosmogonias e as suas narrativas mitológicas elaboradas no contexto da bacia mediterrânica (Mare Nostrum) procuraram sempre personificar e incluir o elemento aquático de uma forma bastante diversificada. Assim, na Teogonia de Hesíodo encontra-se uma explicação para o aparecimento das diferentes entidades marinhas:
A Terra gerou, em primeiro lugar, um ser de dimensão semelhante à sua, O Céu, coberto de estrelas, para que a cobrisse, toda inteira, e fosse dos deuses bem-aventurados a eterna e segura mansão. Ninfas que habitam as montanhas recortadas. E deu ainda à luz o mar estéril onde se encrespavam as ondas, Ponto. Todos eles nasceram sem intervenção do amor. Depois, fecundada pelo Céu, deu à luz o Oceano de correntes profundas…
Todas estas formas elementares da Natureza, que não tinham ainda o estatuto de divindades, não tardaram, por sua vez, a trazer ao mundo uma numerosa descendência e, por exemplo, Tétis e Oceano geraram três mil cursos de água e rios divinos. Estes cursos de água são atualmente menos conhecidos do que os filhos dos primeiros deuses, esses anfitriões do Olimpo, tal como o filho de Cronos e de Reia, Poséidon. As suas numerosas aventuras galantes povoaram rios, ribeiros, fontes e lagos com divindades, destacando-se as Nereidas, e entre estas Galateia, cujas formas se confundem por vezes com as das tentadoras e impiedosas sereias. Assim, provavelmente as lendas atribuídas a Hesíodo davam, mais ou menos fielmente, corpo a séculos de experiência e especulações religiosas e literárias, formalizando o misterioso imaginário marinho, incomensurável, insondável e imprevisível, mas também útil, generoso e sobretudo grandioso e magnífico.
Todo este mundo divino interveio nas aventuras dos homens e dos heróis em peripécias que serão narradas, com deleite, por Homero na Ilíada ou na Odisseia. Este destino poderá aparecer não só como representação alegórica, mas também como protagonista de numerosos episódios que serão retomados e enriquecerão outros textos posteriores. Podem estes ser religiosos, como no Antigo e novo Testamento, ou épicos, na origem das identidades nacionais – tais como La Franciade de Ronsard, de 1572, ou Os Lusíadas de Luís de Camões, no mesmo ano, contemporâneos das traduções dos grandes textos antigos, antes dos romances de aventuras, fundadores de mitos modernos, que surgiram a partir do século XVIII, como Robinson Crusoé de Daniel Defoe até A Ilha do Dia Anterior de Umberto Eco.
Dominique Lobstein, As Idades do Mar, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, pp. 39-40
Quadro: A Sereia, 1893, de Giulio Aristide Sartorio

Desafinado

A conceção mínima de moralidade

A conceção mínima pode agora ser apresentada de forma breve: a moralidade é, pelo menos, o esforço para orientar a nossa conduta pela razão – isto é, para fazer aquilo a favor do qual existem melhores razões – dando simultaneamente a mesma importância aos interesses de cada indivíduo que será afetado por aquilo que fazemos. Isto oferece, entre outras coisas, uma imagem do que significa ser um agente moral consciente. O agente moral consciencioso é alguém preocupado imparcialmente com os interesses de quantos são afetados por aquilo que ele, ou ela, fazem; alguém que cuidadosamente filtra os factos e examina as suas implicações; que aceita princípios de conduta somente depois de os examinar, para ter a certeza de que são sólidos; que está disposto a «dar ouvidos à razão» mesmo quando isso significa ter de rever convicções prévias; alguém que, por fim, está disposto a agir com base nos resultados da sua deliberação.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 31-32