quinta-feira, 29 de novembro de 2012
terça-feira, 27 de novembro de 2012
domingo, 25 de novembro de 2012
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
terça-feira, 13 de novembro de 2012
sábado, 10 de novembro de 2012
Empobrecer não é sinónimo de ser Frugal
Há muita gente por aí que confunde conceitos e não sabe o significado das palavras. Muitas vezes essa "confusão" é intencional e tem objetivos obscuros (entram aqui conceitos ideológicos muito perigosos), outras vezes é o resultado de se falar com o coração (sob efeito da emoção) e não se prestar a devida atenção ao que diz .
Há uma enorme diferença entre "empobrecer" e "ser frugal".
De facto, todos temos de viver de forma mais frugal, gastando menos recursos para realizar as mesmas, ou ainda mais, tarefas, ou seja, fazendo mais com menos.
Ser frugal é uma das medidas que temos de tomar para ser mais eficientes, a par da gestão, racionalização, avaliação, responsabilização e ética.
Agora, ser frugal nada tem a ver com "empobrecer", ou seja, ter, dispor, de menores recursos, ou recuar para níveis civilizacionais do passado.
Nós não temos de empobrecer.
Não temos, mesmo.
Temos é de ser mais responsáveis e eficientes com a forma como usamos os recursos que conseguimos gerar. E devemos fazer tudo para gerar ainda mais recursos, ou seja, DEVEMOS ENRIQUECER. Porque com isso melhoramos a nossa vida e fazemos avançar o país.
Ser frugal é uma atitude que permite tudo isto.
É uma forma de estar na vida e, acima de tudo, de respeito pelos outros e pelos recursos públicos.
Digo isto ainda a propósito da confusão gerada recentemente, mas MUITO AFLITO por perceber que o Governo (e os seu ideólogos) não saber a diferença entre os dois conceitos.
Aflito porque, isso sim, é MUITO GRAVE.
Há uma enorme diferença entre "empobrecer" e "ser frugal".
De facto, todos temos de viver de forma mais frugal, gastando menos recursos para realizar as mesmas, ou ainda mais, tarefas, ou seja, fazendo mais com menos.
Ser frugal é uma das medidas que temos de tomar para ser mais eficientes, a par da gestão, racionalização, avaliação, responsabilização e ética.
Agora, ser frugal nada tem a ver com "empobrecer", ou seja, ter, dispor, de menores recursos, ou recuar para níveis civilizacionais do passado.
Nós não temos de empobrecer.
Não temos, mesmo.
Temos é de ser mais responsáveis e eficientes com a forma como usamos os recursos que conseguimos gerar. E devemos fazer tudo para gerar ainda mais recursos, ou seja, DEVEMOS ENRIQUECER. Porque com isso melhoramos a nossa vida e fazemos avançar o país.
Ser frugal é uma atitude que permite tudo isto.
É uma forma de estar na vida e, acima de tudo, de respeito pelos outros e pelos recursos públicos.
Digo isto ainda a propósito da confusão gerada recentemente, mas MUITO AFLITO por perceber que o Governo (e os seu ideólogos) não saber a diferença entre os dois conceitos.
Aflito porque, isso sim, é MUITO GRAVE.
Retirado daqui
Igualdade para os animais?
[…] Estamos habituados a encarar a discriminação contra membros pertencentes a minorias raciais ou contra as mulheres como fazendo parte dos temas morais e políticos mais importantes com que se debate o mundo hoje. Estes problemas são sérios, merecedores do tempo e da energia de qualquer pessoa responsável. Mas que dizer dos animais? Não estará o bem-estar dos animais numa categoria totalmente diferente, que só interessa às pessoas loucas por cães e gatos? Como pode alguém gastar o seu tempo com a igualdade dos animais quando a verdadeira igualdade é negada a tantos seres humanos?
Esta atitude reflete um preconceito popular contra a ideia de levar os interesses dos animais a sério – um preconceito tão infundado como aquele que levou os esclavagistas brancos a não considerar com a devida seriedade os interesses dos seus escravos africanos. É fácil para nós criticar os preconceitos dos nossos avós, de que os nossos pais se libertaram. É mais difícil distanciarmo-nos das nossas próprias perspetivas para podermos procurar desassombradamente os preconceitos que as nossas crenças e os nossos valores escondem. É preciso estarmos agora dispostos a seguir os argumentos até onde eles nos conduzirem, sem a ideia preconcebida de que o problema não merece a nossa atenção.
Peter Singer, Ética Prática, Tradução de Álvaro Augusto Fernandes, Gradiva, Lisboa, 2ª edição, 2002, pp. 75-76
Esta atitude reflete um preconceito popular contra a ideia de levar os interesses dos animais a sério – um preconceito tão infundado como aquele que levou os esclavagistas brancos a não considerar com a devida seriedade os interesses dos seus escravos africanos. É fácil para nós criticar os preconceitos dos nossos avós, de que os nossos pais se libertaram. É mais difícil distanciarmo-nos das nossas próprias perspetivas para podermos procurar desassombradamente os preconceitos que as nossas crenças e os nossos valores escondem. É preciso estarmos agora dispostos a seguir os argumentos até onde eles nos conduzirem, sem a ideia preconcebida de que o problema não merece a nossa atenção.
Peter Singer, Ética Prática, Tradução de Álvaro Augusto Fernandes, Gradiva, Lisboa, 2ª edição, 2002, pp. 75-76
sexta-feira, 9 de novembro de 2012
domingo, 4 de novembro de 2012
O argumento do erro de matar
Os eticistas recorreram igualmente ao princípio de que é errado matar uma pessoa para salvar outra. Retirar os órgãos de Teresa seria matá-la para salvar outros, afirmaram eles; por isso, retirar os órgãos seria errado.
Será este argumento sólido? A proibição de matar é certamente uma das regras morais mais importantes. No entanto, poucas pessoas pensam que matar é sempre errado – a maioria das pessoas pensa que algumas exceções são por vezes justificadas. A questão é, pois, saber se retirar os órgãos da bebé Teresa deveria ser encarrado como uma exceção à regra. Há muitas razões a favor desta ideia, sendo a mais importante que ela morrerá de qualquer maneira, independentemente do que fizermos, ao passo que retirar-lhe os órgãos permitiria pelo menos fazer algum bem a outros bebés. Qualquer pessoa que aceite isto tomará como falsa a primeira premissa do argumento. Em geral é errado matar uma pessoa para salvar outra, mas isso nem sempre é assim.
Mas há outra possibilidade. Talvez a melhor maneira de entender toda a situação fosse encarar desde logo a bebé Teresa como morta. Se isto parece insensato, recorde-se que a «morte cerebral» é hoje amplamente aceite como critério para declarar as pessoas legalmente mortas. Quando o critério da morte cerebral foi proposto pela primeira vez, houve resistências baseadas na ideia de que alguém pode estar cerebralmente morto mas muita coisa continua a funcionar no seu interior – com assistência mecânica o coração pode continuar a bater, pode-se continuar a respirar, e assim por adiante. Mas a morte cerebral foi por fim aceite e as pessoas acostumaram-se a encará-la como «verdadeira» morte. Isto foi sensato porque quando o cérebro para de funcionar deixa de haver esperança de vida consciente.
As anencefalias não satisfazem os requisitos técnicos da morte cerebral tal como é atualmente definida; mas talvez a definição devesse ser reelaborada para as incluir. Afinal de contas, os anencefálicos também não têm perspetivas de vida consciente, pela razão profunda de que não têm cérebro ou cerebelo. Se a definição de morte cerebral fosse reformulada para incluir os anencefálicos, acabaríamos por nos acostumar à ideia de que estes infelizes bebés são nado-mortos e deixaríamos, por isso, de encarar a extração dos seus órgãos como uma forma de os matar. O argumento baseado na ideia de que matar é errado seria então contestável.
Parece pois, no todo, que o argumento a favor do transplante dos órgãos da bebé Teresa é mais forte do que estes argumentos contra o transplante.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 18-19
Será este argumento sólido? A proibição de matar é certamente uma das regras morais mais importantes. No entanto, poucas pessoas pensam que matar é sempre errado – a maioria das pessoas pensa que algumas exceções são por vezes justificadas. A questão é, pois, saber se retirar os órgãos da bebé Teresa deveria ser encarrado como uma exceção à regra. Há muitas razões a favor desta ideia, sendo a mais importante que ela morrerá de qualquer maneira, independentemente do que fizermos, ao passo que retirar-lhe os órgãos permitiria pelo menos fazer algum bem a outros bebés. Qualquer pessoa que aceite isto tomará como falsa a primeira premissa do argumento. Em geral é errado matar uma pessoa para salvar outra, mas isso nem sempre é assim.
Mas há outra possibilidade. Talvez a melhor maneira de entender toda a situação fosse encarar desde logo a bebé Teresa como morta. Se isto parece insensato, recorde-se que a «morte cerebral» é hoje amplamente aceite como critério para declarar as pessoas legalmente mortas. Quando o critério da morte cerebral foi proposto pela primeira vez, houve resistências baseadas na ideia de que alguém pode estar cerebralmente morto mas muita coisa continua a funcionar no seu interior – com assistência mecânica o coração pode continuar a bater, pode-se continuar a respirar, e assim por adiante. Mas a morte cerebral foi por fim aceite e as pessoas acostumaram-se a encará-la como «verdadeira» morte. Isto foi sensato porque quando o cérebro para de funcionar deixa de haver esperança de vida consciente.
As anencefalias não satisfazem os requisitos técnicos da morte cerebral tal como é atualmente definida; mas talvez a definição devesse ser reelaborada para as incluir. Afinal de contas, os anencefálicos também não têm perspetivas de vida consciente, pela razão profunda de que não têm cérebro ou cerebelo. Se a definição de morte cerebral fosse reformulada para incluir os anencefálicos, acabaríamos por nos acostumar à ideia de que estes infelizes bebés são nado-mortos e deixaríamos, por isso, de encarar a extração dos seus órgãos como uma forma de os matar. O argumento baseado na ideia de que matar é errado seria então contestável.
Parece pois, no todo, que o argumento a favor do transplante dos órgãos da bebé Teresa é mais forte do que estes argumentos contra o transplante.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 18-19
O argumento de que as pessoas não devem ser usadas como meios
Os eticistas que se opuseram aos transplantes usaram dois argumentos. O primeiro baseava-se na ideia de que é errado usar pessoas como meio para os fins de outras pessoas. Retirar os órgãos de Teresa teria sido usá-la em benefício de outras crianças; portanto, não se deve fazê-lo.
Será este um argumento sólido? A ideia de que não devemos «usar» pessoas é obviamente apelativa, mas trata-se de uma noção vaga que tem de ser esclarecida. O que significa ao certo? «Usar pessoas» implica geralmente violar a sua autonomia – a capacidade de decidirem por si mesmas como viver as suas próprias vidas, segundo os seus próprios desejos e valores. A autonomia de uma pessoa pode ser violada por meio de manipulação, impostura ou fraude. Por exemplo, posso fingir ser amigo de alguém quando na verdade estou apenas interessado em conhecer a sua irmã; ou posso tentar convencer alguém de que gostará de assistir a um concerto noutra cidade, quando quero apenas que me leve até lá. Em todos estes casos estou a manipular alguém de modo a obter algo para mim próprio. A autonomia é igualmente violada quando as pessoas são forçadas a fazer coisas contra a sua vontade. Isto explica por que razão é errado «usar pessoas»; é errado porque a impostura, a coerção e o engano são errados.
Retirar os órgãos à bebé Teresa não envolveria engano, impostura ou coerção, será que estaríamos a «usá-la» num outro sentido moralmente significativo? Iríamos, é claro usar os seus órgãos em benefício de outra pessoa. Mas fazemos isso sempre que realizamos um transplante. Neste caso, no entanto, iríamos fazê-lo «contra» os seus desejos, isso poderia justificar a nossa oposição; seria uma violação da sua autonomia. Mas a bebé Teresa não é um ser autónomo: não tem desejos e é incapaz de tomar quaisquer decisões.
Quando as pessoas são incapazes de tomar decisões, e outros têm que o fazer em seu lugar, podem adotar duas linhas de orientação razoáveis. Primeiro, podemos perguntar-nos: O que seria melhor para os seus interesses? Se aplicarmos este padrão à bebé Teresa, parece não haver objeções a que lhe retiremos os órgãos, pois, como já vimos, seja qual for a nossa decisão, os seus interesses não serão afetados. Ela, de qualquer maneira, morrerá em breve.
A segunda linha de orientação apela para as preferências da própria pessoa. Poderíamos perguntar: Se pudesse dizer-nos o que quer, que diria ela? Este tipo de pensamento é frequentemente útil quando lidamos com pessoas que sabemos terem preferências mas são incapazes de proferi-las (por exemplo, um paciente em coma que assinou um testamento). Só que, infelizmente, a bebé Teresa não tem preferências sobre coisa alguma e nunca terá. Não podemos, por isso, obter dela qualquer orientação, nem mesmo na nossa imaginação. A conclusão é que ficamos na contingência de fazermos o que consideramos melhor.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 16, 17 e 18
Será este um argumento sólido? A ideia de que não devemos «usar» pessoas é obviamente apelativa, mas trata-se de uma noção vaga que tem de ser esclarecida. O que significa ao certo? «Usar pessoas» implica geralmente violar a sua autonomia – a capacidade de decidirem por si mesmas como viver as suas próprias vidas, segundo os seus próprios desejos e valores. A autonomia de uma pessoa pode ser violada por meio de manipulação, impostura ou fraude. Por exemplo, posso fingir ser amigo de alguém quando na verdade estou apenas interessado em conhecer a sua irmã; ou posso tentar convencer alguém de que gostará de assistir a um concerto noutra cidade, quando quero apenas que me leve até lá. Em todos estes casos estou a manipular alguém de modo a obter algo para mim próprio. A autonomia é igualmente violada quando as pessoas são forçadas a fazer coisas contra a sua vontade. Isto explica por que razão é errado «usar pessoas»; é errado porque a impostura, a coerção e o engano são errados.
Retirar os órgãos à bebé Teresa não envolveria engano, impostura ou coerção, será que estaríamos a «usá-la» num outro sentido moralmente significativo? Iríamos, é claro usar os seus órgãos em benefício de outra pessoa. Mas fazemos isso sempre que realizamos um transplante. Neste caso, no entanto, iríamos fazê-lo «contra» os seus desejos, isso poderia justificar a nossa oposição; seria uma violação da sua autonomia. Mas a bebé Teresa não é um ser autónomo: não tem desejos e é incapaz de tomar quaisquer decisões.
Quando as pessoas são incapazes de tomar decisões, e outros têm que o fazer em seu lugar, podem adotar duas linhas de orientação razoáveis. Primeiro, podemos perguntar-nos: O que seria melhor para os seus interesses? Se aplicarmos este padrão à bebé Teresa, parece não haver objeções a que lhe retiremos os órgãos, pois, como já vimos, seja qual for a nossa decisão, os seus interesses não serão afetados. Ela, de qualquer maneira, morrerá em breve.
A segunda linha de orientação apela para as preferências da própria pessoa. Poderíamos perguntar: Se pudesse dizer-nos o que quer, que diria ela? Este tipo de pensamento é frequentemente útil quando lidamos com pessoas que sabemos terem preferências mas são incapazes de proferi-las (por exemplo, um paciente em coma que assinou um testamento). Só que, infelizmente, a bebé Teresa não tem preferências sobre coisa alguma e nunca terá. Não podemos, por isso, obter dela qualquer orientação, nem mesmo na nossa imaginação. A conclusão é que ficamos na contingência de fazermos o que consideramos melhor.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 16, 17 e 18
sábado, 3 de novembro de 2012
O argumento do benefício
A sugestão dos pais baseava-se na ideia de que, uma vez que Teresa ia morrer em breve, os seus órgãos de nada lhe serviam. As outras crianças, no entanto, poderiam beneficiar deles. Assim, o raciocínio parece ter sido o seguinte: Se podemos beneficiar alguém sem fazer mal a outra pessoa, devemos fazê-lo. Transplantar os órgãos beneficia as outras crianças sem prejudicar a bebé Teresa. Logo, devemos transplantar os órgãos.
Será isto correto? Nem todos os argumentos são sólidos; por isso, não queremos apenas saber que argumentos podem ser aduzidos em defesa de uma dada posição, mas também se esses argumentos são bons. Em geral, um argumento é sólido se as suas premissas e a conclusão resulta logicamente delas. Neste caso, poderemos interrogar-nos sobre a proposição segundo a qual Teresa não seria prejudicada. Afinal de contas, ela morreria; isso não é mau para ela? Mas se refletirmos, parece claro que nestas circunstâncias trágicas os pais tinham razão – estar viva não lhe servia de nada. Estar vivo só é um benefício quando permite a alguém realizar atividades e ter pensamentos, sentimentos, e relações com outras pessoas – por outras palavras, se permite a alguém ter uma vida. Na ausência destas condições, a mera existência biológica não tem valor algum. Por isso, mesmo que Teresa pudesse continuar viva por mais alguns dias, isso nada lhe traria de bom. (Podemos imaginar circunstâncias nas quais outras pessoas beneficiariam em mantê-la viva, mas não é o mesmo que ser ela a beneficiar disso.)
O argumento do benefício fornece, pois, uma poderosa razão para o transplante dos órgãos. Quais são os argumentos do lado contrário?
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 15-16
Será isto correto? Nem todos os argumentos são sólidos; por isso, não queremos apenas saber que argumentos podem ser aduzidos em defesa de uma dada posição, mas também se esses argumentos são bons. Em geral, um argumento é sólido se as suas premissas e a conclusão resulta logicamente delas. Neste caso, poderemos interrogar-nos sobre a proposição segundo a qual Teresa não seria prejudicada. Afinal de contas, ela morreria; isso não é mau para ela? Mas se refletirmos, parece claro que nestas circunstâncias trágicas os pais tinham razão – estar viva não lhe servia de nada. Estar vivo só é um benefício quando permite a alguém realizar atividades e ter pensamentos, sentimentos, e relações com outras pessoas – por outras palavras, se permite a alguém ter uma vida. Na ausência destas condições, a mera existência biológica não tem valor algum. Por isso, mesmo que Teresa pudesse continuar viva por mais alguns dias, isso nada lhe traria de bom. (Podemos imaginar circunstâncias nas quais outras pessoas beneficiariam em mantê-la viva, mas não é o mesmo que ser ela a beneficiar disso.)
O argumento do benefício fornece, pois, uma poderosa razão para o transplante dos órgãos. Quais são os argumentos do lado contrário?
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 15-16
Primeiro exemplo: a bebé Teresa
Theresa Ann Campo Pearson, conhecida publicamente como «Bebé Teresa», é uma criança com anencefalia nascida na Florida em 1992. A anencefalia é uma das mais graves deformidades congénitas. Os bebés anencefálicos são por vezes referidos como «bebés sem cérebro», e isto dá basicamente ideia do problema, mas não é uma imagem totalmente correta. Partes importantes do encéfalo – cérebro e cerebelo – estão em falta, bem como o topo do crânio. Estes bebés têm, no entanto, o tronco cerebral e por isso as funções autónomas como a respiração e os batimentos cardíacos são possíveis. Nos EUA, a maior parte dos casos de anencefalia são detetados durante a gravidez e abortados. Dos não abortados, metade nascem mortos. Cerca de trezentos em cada ano nascem vivos e em geral morrem em poucos dias.
A história da bebé Teresa nada teria de notável não fosse o pedido invulgar feito pelos seus pais. Sabendo que a bebé não poderia viver por muito tempo e, mesmo que pudesse sobreviver, nunca iria ter uma vida consciente, os pais da bebé Teresa ofereceram os seus órgãos para transplante. Pensaram que os seus rins, fígado, coração, pulmões e olhos deveriam ir para crianças que pudessem beneficiar deles. Os médicos acharam uma boa ideia. Pelo menos duas mil crianças em cada ano necessitam de transplantes e nunca há órgãos disponíveis suficientes. Mas os órgãos não foram retirados, porque na Florida a lei não permite a remoção de órgãos até o dador estar morto. Quando, nove dias depois, a bebé Teresa morreu era demasiado tarde para as outras crianças – os órgãos não podiam ser transplantados por se terem deteriorado excessivamente.
As histórias dos jornais sobre a bebé Teresa suscitaram uma onda de debates públicos. Teria sido correto remover os órgãos da criança, causando-lhe dessa forma morte imediata, para ajudar outras crianças? Vários eticistas profissionais – pessoas empregadas por universidades, hospitais e escolas de direito, cujo trabalho consiste em pensar nestas coisas – foram solicitados pela imprensa para comentar o tema. Surpreendentemente, poucos concordaram com os pais e os médicos. Apelaram, ao invés, para princípios filosóficos consagrados para se oporem à remoção dos órgãos. «Parece simplesmente demasiado horrível usar pessoas como meio para os objetivos de outras pessoas», afirmou um desses peritos. Outro explicou: «É imoral matar para salvar. É imoral matar a pessoa A para salvar a pessoa B.» Um terceiro acrescentou: «O que os pais estão realmente a pedir é: matem este bebé moribundo para que os seus órgãos possam ser usados por outra pessoa. Bom, isso é de facto uma proposta horrenda.»
Era realmente horrendo? As opiniões dividiram-se. Os eticistas pensavam que sim, enquanto os pais da bebé e os médicos pensavam que não. Mas não estamos apenas interessados no que as pessoas pensam. Queremos conhecer a verdade da questão. Teriam os pais razão ou não, de facto, ao oferecerem os órgãos da bebé para transplante? Se queremos descobrir a verdade temos de perguntar que razões ou argumentos podem ser concedidos a cada uma das partes. O que poderá dizer-se para justificar a ideia de que o pedido estava errado?
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 14-15
A história da bebé Teresa nada teria de notável não fosse o pedido invulgar feito pelos seus pais. Sabendo que a bebé não poderia viver por muito tempo e, mesmo que pudesse sobreviver, nunca iria ter uma vida consciente, os pais da bebé Teresa ofereceram os seus órgãos para transplante. Pensaram que os seus rins, fígado, coração, pulmões e olhos deveriam ir para crianças que pudessem beneficiar deles. Os médicos acharam uma boa ideia. Pelo menos duas mil crianças em cada ano necessitam de transplantes e nunca há órgãos disponíveis suficientes. Mas os órgãos não foram retirados, porque na Florida a lei não permite a remoção de órgãos até o dador estar morto. Quando, nove dias depois, a bebé Teresa morreu era demasiado tarde para as outras crianças – os órgãos não podiam ser transplantados por se terem deteriorado excessivamente.
As histórias dos jornais sobre a bebé Teresa suscitaram uma onda de debates públicos. Teria sido correto remover os órgãos da criança, causando-lhe dessa forma morte imediata, para ajudar outras crianças? Vários eticistas profissionais – pessoas empregadas por universidades, hospitais e escolas de direito, cujo trabalho consiste em pensar nestas coisas – foram solicitados pela imprensa para comentar o tema. Surpreendentemente, poucos concordaram com os pais e os médicos. Apelaram, ao invés, para princípios filosóficos consagrados para se oporem à remoção dos órgãos. «Parece simplesmente demasiado horrível usar pessoas como meio para os objetivos de outras pessoas», afirmou um desses peritos. Outro explicou: «É imoral matar para salvar. É imoral matar a pessoa A para salvar a pessoa B.» Um terceiro acrescentou: «O que os pais estão realmente a pedir é: matem este bebé moribundo para que os seus órgãos possam ser usados por outra pessoa. Bom, isso é de facto uma proposta horrenda.»
Era realmente horrendo? As opiniões dividiram-se. Os eticistas pensavam que sim, enquanto os pais da bebé e os médicos pensavam que não. Mas não estamos apenas interessados no que as pessoas pensam. Queremos conhecer a verdade da questão. Teriam os pais razão ou não, de facto, ao oferecerem os órgãos da bebé para transplante? Se queremos descobrir a verdade temos de perguntar que razões ou argumentos podem ser concedidos a cada uma das partes. O que poderá dizer-se para justificar a ideia de que o pedido estava errado?
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 14-15
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