segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Hume, impressões e ideias

Onde os céticos triunfam- David Hume

«A grande subversora do pirronismo ou dos princípios excessivos do ceticismo é a ação, juntamente com os afazeres da vida diária. Esses princípios podem florescer e triunfar nas escolas, onde, de facto, é difícil refutá-los, se não até mesmo impossível. [...] O cético, portanto, faria melhor em se limitar à sua esfera própria e expor aquelas objeções filosóficas que derivam de investigações mais aprofundadas. Aqui ele parece dispor de ampla matéria de triunfo, ao corretamente insistir que toda a nossa evidência para qualquer questão de facto situada para além do testemunho dos sentidos ou da memória deriva inteiramente da relação de causa e efeito; que não temos outra ideia dessa relação que não a de dois objetos que se apresentaram frequentemente conjugados um com o outro; que não dispomos de qualquer argumento que nos possa convencer de que os objetos que, na nossa experiência, se apresentaram frequentemente conjugados, continuarão a aparecer conjugados do mesmo modo em outros casos; e que nada nos conduz a essa inferência a não ser o hábito, um certo instinto da nossa natureza, ao qual, de facto, é difícil resistir; mas que, como outros instintos, pode ser falaz e enganador. Ao insistir nestes tópicos, o cético mostra a sua força, ou melhor, sem dúvida, a sua e a nossa fraqueza; e parece, pelos menos de momento, destruir toda e qualquer segurança e convicção.»


David Hume, Tratados I: Investigação sobre o Entendimento Humano. Trad. de João Paulo Monteiro. Lisboa: INCM, 2002, p. 170

Não temos justificação para acreditar que o Sol irá nascer amanhã

«É importante que estejamos cientes da natureza radical da tese de Hume. Ele argumenta que todo o raciocínio indutivo é inválido: não temos razões a priori ou empíricas para aceitar crenças baseadas em inferências indutivas. Não temos justificação para acreditar que o sol irá nascer amanhã. O ponto crucial é este: se eu afirmar que o sol vai nascer amanhã e o meu amigo afirmar que ele se vai transformar num ovo estrelado gigante, a minha crença não é, de acordo com Hume, mais justificada do que a do meu amigo. Claro que eu não tenho amigo algum que acredite nisto, e Hume tem uma explicação para esse facto. Devido ao “costume” ou ao “hábito”, todos pensamos em termos indutivos. Contudo, este tipo de pensamento não é justificado; resulta apenas de certas disposições psicológicas que criaturas como nós possuem: não é, portanto, a razão que é o guia da vida, mas sim o costume. […] Os animais também têm essas disposições; são guiados pelo costume e esperam que as regularidades que experienciaram continuem. Contudo, como observa Russell, a galinha a que o agricultor dá de comer todos os dias pode ser degolada amanhã. A nossa posição é análoga à da galinha: esperamos que o Sol nasça todas as manhãs tal como a galinha espera o seu alimento, mas nenhum de nós tem qualquer justificação para as nossas crenças ou comportamento. Uma resposta comum a esta posição cética é que sabemos que o Sol irá nascer amanhã porque temos uma explicação científica para que tal aconteça, descrevendo o movimento da Terra em relação ao Sol. Aqui, no entanto, podemos ver todo o alcance do argumento de Hume. Chegámos à nossa narrativa através de sucessivas observações astronómicas. A nossa explicação científica do nascer do Sol é, portanto, indutiva, pelo que está igualmente sujeita ao argumento de Hume. De acordo com Hume, o cientista não pode justificar a sua crença de que a gravidade continuará a manter os corpos celestes nas órbitas que até agora temos observado seguirem.»

 Dan O’Brien, Introdução à Teoria do Conhecimento