sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Raciocínio moral

Os casos da bebé Teresa (…) e Tracy Latimer, (…), podem despertar sentimentos fortes. Estes sentimentos são frequentemente sinal de seriedade moral e podem, pois, ser objeto de admiração. Mas podem também ser um obstáculo à descoberta da verdade: quando temos sentimentos fortes relativamente a uma questão, é tentador pressupor que sabemos pura e simplesmente o que a verdade não pode deixar de ser, sem mesmo termos de tomar em consideração os argumentos do lado contrário. Infelizmente não podemos confiar nos nossos sentimentos, por mais fortes que sejam. Os nossos sentimentos podem ser irracionais: podem não ser mais do que resultados de preconceito, egoísmo ou condicionamento cultural. (Numa dada altura, os sentimentos das pessoas diziam-lhes, por exemplo, que os membros de outras raças eram inferiores e que a escravatura fazia parte do próprio plano divino das coisas.) Além disso, os sentimentos de pessoas diferentes dizem-lhes frequentemente coisas opostas: no caso Tracy Latimer, o sentimento forte de algumas pessoas é que o seu pai devia ter sido condenado a uma pena longa, enquanto outras têm o sentimento igualmente forte de que nunca devia ter sido acusado. Estes sentimentos não podem, no entanto, estar ambos corretos. Assim, se queremos descobrir a verdade, temos de tentar deixar que os nossos sentimentos sejam guiados, tanto quanto possível, pelos argumentos que se fornecem a favor de cada uma das perspetivas opostas. A moralidade é, antes de mais e acima de tudo, uma questão de aconselhamento racional. Em qualquer circunstância dada, a ação moralmente correta é aquela a favor da qual existirem melhores razões. (…) Naturalmente, nem todas as razões passíveis de ser apresentadas são boas razões. Há bons e maus argumentos, e muita da perícia do pensamento moral consiste em saber distinguir uns dos outros. Mas como podemos reconhecer as diferenças? Como devemos proceder para avaliar argumentos? Os exemplos que analisámos ilustram alguns aspetos pertinentes. A primeira coisa a fazer é entender com clareza os factos. É frequente isto não ser tão fácil como parece. Uma fonte de problemas relaciona-se com a dificuldade que por vezes existe em estabelecer os «factos» - as questões podem ser tão complexas e difíceis que nem mesmo os especialistas concordam entre si. Outro problema é o preconceito humano. É frequente querer acreditar numa versão dos factos para apoiar os nossos preconceitos. Os que reprovam a ação de Robert Latimer, por exemplo, quererão acreditar nas previsões do argumento da derrapagem; os que o compreendem não vão querer acreditar nessas previsões. É fácil imaginar outros exemplos do mesmo género: pessoas que não querem dar dinheiro para a caridade consideram com frequência que as organizações de caridade são esbanjadoras, mesmo quando não têm grandes provas disso; e as pessoas que não gostam de homossexuais afirmam que a comunidade gay inclui um número desmesurado de pedófilos, apesar das provas em contrário. Mas os factos existem independentemente dos nossos desejos, e o pensamento moral responsável começa quando tentamos ver as coisas como elas são.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 27-29

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