O argumento contra a discriminação dos deficientes.
Quando Robert Latimer foi sentenciado com tolerância pelo tribunal, muitos deficientes encararam o facto como um insulto. O presidente de Saskatoon Voice of People with Disabilities, que sofre de esclerose múltipla, afirmou: «Ninguém tem o direito de decidir se a minha vida tem um valor inferior a outra. Essa é a grande questão.» Tracy foi morta por ser deficiente, afirmou, e isso é inadmissível. As pessoas deficientes deveriam ser tão respeitadas e ter tantos direitos como qualquer outra pessoa.
O que podemos dizer disto? A discriminação contra qualquer grupo de pessoas é naturalmente, um assunto sério. É inaceitável porque implica tratar algumas pessoas de forma diferente de outras, quando não há diferenças relevantes entre elas para o justificar. Exemplos correntes envolvem situações como a discriminação no local de trabalho. Suponha-se que se recusa um trabalho a uma pessoa cega simplesmente porque o patrão não gosta da ideia de empregar alguém incapaz de ver. Isto não é diferente de recusar empregar alguém por ser negro ou judeu. Para sublinhar o quanto isto é ofensivo, poderíamos perguntar por que razão essa pessoa é tratada de forma diferente. É menos capaz de fazer o trabalho? É mais estúpida ou menos diligente? Merece menos o emprego? É menos capaz de beneficiar da circunstância de estar empregada? Se não há qualquer boa razão para a excluir, então é simplesmente arbitrário tratá-la desta forma.
Mas há algumas circunstâncias nas quais pode justificar-se tratar os deficientes de forma diferente. Por exemplo, ninguém iria defender seriamente que uma pessoa cega deveria ser empregada como controladora de tráfego aéreo. Uma vez que podemos explicar facilmente por que motivo isto não é desejável, a «discriminação» não é arbitrária e não é uma violação dos direitos da pessoa deficiente.
Devemos pensar na morte de Tracy Latimer como um caso de discriminação de deficientes? O senhor Latimer argumentou que a paralisia cerebral de Tracy não era a questão. «As pessoas andam a dizer que isto é uma questão relacionada com a deficiência», afirmou, «mas estão enganadas. Isto diz respeito a tortura. Para Tracy, tratava-se de uma questão de mutilação e tortura». Antes da sua morte, Tracy fora submetida a uma importante e delicada intervenção cirúrgica às costas, ancas e pernas, e havia ainda mais cirurgias planeadas. «Tendo em conta a combinação de um tubo para a alimentação, varetas nas costas, a perna cortada e bamba e ainda as chagas causadas pela permanência na cama», afirmou o pai, «como podem as pessoas dizer que ela era uma menina feliz»? No julgamento, três médicos de Tracy deram o seu testemunho sobre a dificuldade de controlar as suas dores. O senhor Latimer negou, por isso, que ela tenha sido morta por causa da paralisia cerebral; foi morta por causa da dor e por não haver esperança para ela.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 24-25
Quando Robert Latimer foi sentenciado com tolerância pelo tribunal, muitos deficientes encararam o facto como um insulto. O presidente de Saskatoon Voice of People with Disabilities, que sofre de esclerose múltipla, afirmou: «Ninguém tem o direito de decidir se a minha vida tem um valor inferior a outra. Essa é a grande questão.» Tracy foi morta por ser deficiente, afirmou, e isso é inadmissível. As pessoas deficientes deveriam ser tão respeitadas e ter tantos direitos como qualquer outra pessoa.
O que podemos dizer disto? A discriminação contra qualquer grupo de pessoas é naturalmente, um assunto sério. É inaceitável porque implica tratar algumas pessoas de forma diferente de outras, quando não há diferenças relevantes entre elas para o justificar. Exemplos correntes envolvem situações como a discriminação no local de trabalho. Suponha-se que se recusa um trabalho a uma pessoa cega simplesmente porque o patrão não gosta da ideia de empregar alguém incapaz de ver. Isto não é diferente de recusar empregar alguém por ser negro ou judeu. Para sublinhar o quanto isto é ofensivo, poderíamos perguntar por que razão essa pessoa é tratada de forma diferente. É menos capaz de fazer o trabalho? É mais estúpida ou menos diligente? Merece menos o emprego? É menos capaz de beneficiar da circunstância de estar empregada? Se não há qualquer boa razão para a excluir, então é simplesmente arbitrário tratá-la desta forma.
Mas há algumas circunstâncias nas quais pode justificar-se tratar os deficientes de forma diferente. Por exemplo, ninguém iria defender seriamente que uma pessoa cega deveria ser empregada como controladora de tráfego aéreo. Uma vez que podemos explicar facilmente por que motivo isto não é desejável, a «discriminação» não é arbitrária e não é uma violação dos direitos da pessoa deficiente.
Devemos pensar na morte de Tracy Latimer como um caso de discriminação de deficientes? O senhor Latimer argumentou que a paralisia cerebral de Tracy não era a questão. «As pessoas andam a dizer que isto é uma questão relacionada com a deficiência», afirmou, «mas estão enganadas. Isto diz respeito a tortura. Para Tracy, tratava-se de uma questão de mutilação e tortura». Antes da sua morte, Tracy fora submetida a uma importante e delicada intervenção cirúrgica às costas, ancas e pernas, e havia ainda mais cirurgias planeadas. «Tendo em conta a combinação de um tubo para a alimentação, varetas nas costas, a perna cortada e bamba e ainda as chagas causadas pela permanência na cama», afirmou o pai, «como podem as pessoas dizer que ela era uma menina feliz»? No julgamento, três médicos de Tracy deram o seu testemunho sobre a dificuldade de controlar as suas dores. O senhor Latimer negou, por isso, que ela tenha sido morta por causa da paralisia cerebral; foi morta por causa da dor e por não haver esperança para ela.
James Rachels, Elementos de Filosofia Moral, Tradução F.J. Azevedo Gonçalves, Gradiva, Lisboa, 2004, pp. 24-25
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