quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Votar Pela Primeira Vez

(…) A experiência de votar pela primeira vez não fica muito atrás da de registar um nascimento, uma morte ou um casamento e é de longe mais profunda do que a maior parte dos outros deveres cívicos, é um rito de passagem que o lança de forma irrevogável nesse novo território da vida adulta. Apesar de beber, fazer sexo e conduzir (não de forma simultânea) serem todos capazes de nos conferir maturidade, não há nada verdadeiramente igual ao ato de votar para nos fazer sentir que o mundo exterior já nos leva a sério. A diferença entre esta atividade e as restantes é que essas são sobretudo hedonistas: em teoria podemos beber e fazer sexo de forma responsável, mas, na prática, tais atividades pertencem ao campo dos prazeres pessoais. Mais ainda, são subjetivas, enquanto o ato de votar nos transfere para o mundo objetivo, coloca-nos como parte do demos ou comunidade de cidadãos e lembra-nos, por isso, a responsabilidade que temos para com os outros.

Robert Rowland Smith, “Uma Viagem Com Platão”, lua de papel, 2011, Tradução de Francisco J. Azevedo Gonçalves, p. 102

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Homem é um caminhante

Qual é coisa qual é ela, que de manhã anda em quatro patas, a meio do dia anda em duas e à noite em três? Se não souberes, mato-te; se souberes, mato-me.
Era este o enigma da Esfinge, o monstro mítico que, empoleirado como um louco nos limites da cidade de Tebas, na Grécia antiga, atormentava os viajantes com aquela aposta exorbitante. Antes de o enigma ser solucionado, muitos caíram na armadilha do monstro, metade homem, metade leão; e quando foi resolvido, quem conseguiu o feito foi, nada mais nada menos que Édipo. A sua resposta foi, é claro, o Homem (…).
Por sobre a camada de horrores, o jogo cruel da Esfinge alude à profunda ligação entre o Homem e o caminhar. No enigma, o “Homem” – e aqui vamos ler igualmente “mulher” – é definido pela sua capacidade de se mover sobre os membros inferiores. Enquanto a Esfinge era quadrúpede (era essa a razão da sua inveja?) o Homem é bípede e, (…), isso acarreta vantagens tanto teológicas como evolucionárias. Seja lá o que for para lá disso, o Homem é um caminhante, um passeante, um peão e, por isso, quando em bebés, nos erguemos apoiados nas ancas, para vacilarmos nas frágeis extremidades, com uma mão no sofá, estamos a fazer mais do que tentar chegar às bolachas no prato da mãe - estamos a juntar-nos à espécie no seu todo.

Robert Rowland Smith, “Uma Viagem Com Platão”, lua de papel, 2011, Tradução de Francisco J. Azevedo Gonçalves, p. 23

Imagem retirada daqui

sábado, 24 de dezembro de 2011

"Vida" - Manuel da Fonseca






















Vida:
sensualíssima mulher de carnes maravilhosas
cujos passos são horas
cadenciadas
rítmicas
fatais.
A cada movimento do teu corpo
dispersam asas de desejos
que me roçam a pele
e encrespam os nervos na alucinação do «nunca mais».
Vou seguindo teus passos
lutando e sofrendo
cantando e chorando
e ficam abertos meus braços:
nunca te alcanço!
Meu suplício de Tântalo.
Envelheço...
E tu, Vida, cada vez mais viçosa
na oscilação nervosa
das tuas ancas fecundas e sempre virgens!
À punhalada dilacero a folhagem
e abro clareiras
na floresta milenária do meu caminho.
Humildemente se rasga e avilta
no roçar dos espinhos
minha carne dorida.
E quando julgo chegada a hora
meu abraço de posse fica escancarado no ar!
Olímpica
firme
gloriosa
tu passas e não te alcanço, Vida.
Caio suado de borco
no lodo...
O vento da noite badala nos ramos
sarcasmos canalhas.
Não avisto a vida!
Tenho medo, grito.
Creio em Deus e nos fantásticos ecos
do meu grito
que vêm de longe e de perto
do sul e do norte
que me envolvem
e esmagam:
— maldita selva, maldita selva,
antes o deserto, a sede e a morte!

Manuel da Fonseca, in "Rosa dos Ventos"

sábado, 17 de dezembro de 2011

Cesária Évora - Mar Azul

Será a clonagem humana moralmente aceitável?
















Será a clonagem humana moralmente aceitável?

Há duas possíveis aplicações para a clonagem humana: a clonagem terapêutica, que não vou abordar neste ensaio, e a clonagem reprodutiva. Este tipo de clonagem visa a criação de indivíduos geneticamente iguais a um organismo já existente, através do processo de transferência nuclear. Este processo consiste em introduzir um núcleo dador num ovócito anucleado, implantar a nova célula obtida num útero e esperar pelo desenvolvimento do feto.

Importa chegar a um consenso acerca da moralidade da clonagem. Enquanto não o fizermos, poderemos estar injustificadamente a privar as pessoas de gozarem de um novo meio de reprodução.

Irei defender que, dado o deficiente estado de aperfeiçoamento da técnica da clonagem, não é moralmente aceitável recorrer à clonagem reprodutiva humana.



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sábado, 10 de dezembro de 2011

Lua cheia: um indutor natural do parto?

13 de Setembro de 2011. Ao serviço de obstetrícia do Hospital de Santa Maria vão chegando senhoras grávidas com queixas de contracções dolorosas. Visivelmente muitas delas estarão já em trabalho de parto.

-Isto hoje é uma enchente, comenta um futuro pai para outro.
-É verdade, parece que só já têm uma cama livre. Se isto assim continua penso que vão começar a redireccionar para outros hospitais.
-É normal, ontem foi noite de Lua cheia... Quando reparei nisso adivinhei logo que seria para hoje...

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Direitos do Homem

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Educação e responsabilidade

(…) Reza a 244 que intervêm no processo de avaliação dos alunos, na qualidade de responsáveis, o professor, o próprio aluno, o conselho de turma, os órgãos de gestão da escola, o encarregado de educação, os serviços com competência em matéria de apoio socioeducativo e a administração educativa.

Acrescenta a portaria que «compete ao conselho pedagógico [...], de acordo com as orientações do currículo nacional, definir, no início do ano lectivo, os critérios de avaliação para cada ano de escolaridade, disciplina e Formação Cívica, sob proposta dos departamentos curriculares, contemplando obrigatoriamente critérios de avaliação da componente prática e ou experimental, de acordo com a natureza das disciplinas e da Formação Cívica.»
(…)
O que será que isto dá na prática?

Dá uma imensa salada! Senão, vejamos: num país que saiba bem o que quer, isto pode significar que o currículo nacional aprovado é aplicado em todas as escolas públicas, encontrando cada escola o processo mais conveniente de o fazer, e entregando a responsabilidade última ao professor encarregado desta ou daquela turma. Os resultados obtidos por esse professor podem ser facilmente aferidos em exames nacionais, e estratégias e desvios explicados por condições e circunstâncias apontadas por esse exato docente em atas de reuniões de grupo e de conselhos de turma.

A corresponsabilidade (quase nacional, caramba!...), sentida e imputada àqueles intervenientes todos que são indicados mais acima, só pode ser tomada com tempero: que diacho, é no professor que residem as decisões fundamentais do ato educativo, é a ele que podemos pedir competência e batatinhas!


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Bertolt Brecht


















Primeiro levaram os negros.
Mas não me importei com isso.
Eu não era negro.
Em seguida levaram alguns operários.
Mas não me importei com isso.
Eu também não era operário.
Depois prenderam os miseráveis.
Mas não me importei com isso.
Porque eu não sou miserável.
Depois agarraram uns desempregados.
Mas como tenho meu emprego, também não me importei.
Agora estão me levando.
Mas já é tarde.
Como eu não me importei com ninguém
Ninguém se importa comigo.

Bertold Brecht