segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Três problemas sobre a acção (perspectiva objectivista)




















Algo de peculiar acontece quando encaramos a acção de um ponto de vista objectivo ou externo. Algumas das suas mais importantes características parecem desaparecer sob o olhar objectivo. A fonte das acções não parece já poder ser atribuída a agentes individuais, tornando-se ao invés componentes do fluxo de acontecimentos no mundo do qual o agente é uma parte. A maneira mais simples de produzir este efeito é pensar na possibilidade de todas as acções estarem causalmente determinadas, mas esta não é a única maneira. A fonte essencial do problema é uma perspectiva das pessoas e das suas acções enquanto parte da ordem natural, seja esta determinada ou não. Essa concepção, se nela insistirmos, conduz à sensação de que não há quaisquer agentes, de que nada nos pode valer e de que não somos responsáveis pelo que fazemos. Contra este juízo rebela-se a perspectiva interior do agente. A questão é saber se essa perspectiva pode resistir aos efeitos debilitantes de uma perspectiva naturalista.

Na verdade, o ponto de vista objectivista gera três problemas sobre a acção […]. O primeiro problema […] é o problema metafísico geral da natureza da agência. Pertence à filosofia da mente.


O Boneco de Palha, de Francisco Goya (1746-1828). Quando vemos as nossas acções como acontecimentos no mundo natural, podemos ficar com a sensação de que estamos a ser levados pelo universo como pequenos destroços.

A questão «O que é a acção?» é muito mais lata do que o problema do livre-arbítrio, pois aplica-se até à actividade das aranhas e aos movimentos periféricos, inconscientes ou subintencionais dos seres humanos no decurso da actividade mais deliberativa […]. Aplica-se a qualquer movimento que não seja involuntário. A questão está conectada com o nosso tema porque o meu agir — ou o agir de outra pessoa — parece desaparecer quando concebemos o mundo objectivamente. Não parece haver lugar para a agência num mundo de impulsos neuronais, reacções químicas, e movimentos e ósseos e musculares. Mesmo que acrescentemos sensações, percepções e sentimentos, não obtemos a acção ou o agir — ficamos apenas com o que acontece. […]

O que vou discutir são dois aspectos do problema do livre arbítrio, que correspondem às duas maneiras nas quais a objectividade ameaça as suposições correntes sobre a liberdade humana. Chamo a um deles o «problema da autonomia» e ao outro o «problema da responsabilidade»; o primeiro parece inicialmente um problema sobre a nossa própria liberdade e o segundo um problema sobre a liberdade alheia. Uma perspectiva objectiva das acções como acontecimentos na ordem natural (determinada ou não) produz uma sensação de impotência e futilidade com respeito ao que nós próprios fazemos. Debilita igualmente certas atitudes básicas relativamente a todos os agentes — aquelas atitudes reactivas […] que dependem da atribuição de responsabilidade. É o segundo destes aspectos que é geralmente referido como o problema do livre-arbítrio. Mas a ameaça à nossa concepção das nossas próprias acções — a sensação de que estamos a ser levados pelo universo como pequenos destroços — é igualmente importante e merece igualmente a designação. Os dois problemas estão conectados. A mesma perspectiva externa que ameaça a minha própria autonomia ameaça igualmente o meu sentido da autonomia alheia, e isto por sua vez faz os outros parecerem objectos desadequados de admiração e desprezo, ressentimento e gratidão, censura e louvor.

Thomas Nagel, A Perspectiva de Nenhures, 1986


Imagem: Goya, O BONECO DE PALHA (1792) 2,6x1,6 (desenho para tapeçaria)

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