sábado, 8 de abril de 2017
sábado, 1 de abril de 2017
Igualdade de Oportunidades
“Suponha
que alguém diz, por exemplo, o seguinte: «Você só acredita na igualdade de
oportunidades porque você é um produto da sociedade liberal ocidental. Se você
tivesse crescido numa sociedade de castas ou numa sociedade na qual as
possibilidades disponíveis aos homens e às mulheres fossem radicalmente
desiguais, não teria as convicções que tem, nem aceitaria como persuasivos os
argumentos morais que agora aceita.» A segunda frase, a hipotética, é
provavelmente verdadeira; e quanto à primeira? E quanto ao «só»,
especificamente? Em geral, o facto de eu só acreditar em algo se o tiver
aprendido nada demonstra sobre o estatuto da crença nem sobre as suas bases. Pode
ser impossível explicar a aprendizagem sem invocar o conteúdo da própria crença
nem as razões a favor da sua verdade; e pode ser que o que aprendi tem uma tal
natureza que, embora o não tivesse aprendido, seria contudo verdade. A razão
por que a falácia genética é isso mesmo, uma falácia, é a de que a explicação
de uma crença pode por vezes confirmá-la.
Para
ter qualquer conteúdo, uma posição subjectivista tem de conter algo mais do que
a afirmação de as minhas convicções morais serem as minhas convicções morais. Afinal,
isso é algo com que todos podemos concordar. Um subjectivismo significativo tem
de dizer que essas são apenas as
minhas convicções – ou as convicções da minha comunidade moral. Tem de restringir de algum modo juízos morais
comuns, tem de lhes dar uma leitura que seja autoconscientemente na primeira
pessoa (do singular ou do plural). Esse é o único tipo de perspectiva
antiobjectivista contra o qual vale a pena argumentar ou até o único de que é
possível discordar.
Mas
penso que é impossível dar por finda a discussão com a observação de que uma
crença na igualdade de oportunidades e um desejo de diminuir as desigualdades
herdadas são meramente expressões da nossa tradição cultural. Verdadeiras ou
falsas estas crenças têm uma intenção essencialmente objectiva. Talvez estejam
erradas, mas também esse seria um juízo relativo. Perante o facto de só
recentemente e não universalmente se terem espalhado tais valores temos ainda de
decidir se eles são correctos – temos de decidir se deveremos continuar a
mantê-los. Esta questão não é desalojada pela informação de contingência:
subsiste a questão de saber, ao nível do conteúdo moral, se eu estaria a errar
se tivesse aceitado como naturais, e portanto como uma estrutura de classes
marcadamente rígida ou a subordinação ortodoxa das mulheres. A questão pode
admitir factos adicionais como matéria de reflexão; mas a questão da relevância
desses factos é inevitavelmente moral: têm essas variações culturais e históricas,
assim como as suas causas, tendência para mostrar que eu e as outras pessoas
temos menos razões do que supúnhamos para favorecer a igualdade de
oportunidades? A apresentação de um rol de atitudes históricas e culturalmente
condicionadas, incluindo as minhas próprias, não desarma o juízo de primeira
ordem; dá-lhes apenas mais sobre o que trabalhar- incluindo a informação
relativa a influências a formação das minhas convicções, informação essa que me
pode levar a mudar de convicções. Mas a própria relevância de tal informação é
uma questão de raciocínio moral – acerca do que constitui e do que não
constitui boas bases para a crença moral."
Nagel, Thomas, “A Última
Palavra”, Gradiva, 1999, pp. 124-125
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