quinta-feira, 11 de abril de 2013

A maior felicidade do maior número

A felicidade é, na maioria dos sistemas morais, um conceito de grande importância. Uma longa série de filósofos morais, que se consideravam herdeiros da tradição iniciada por Platão e Aristóteles, entendeu a felicidade como bem supremo, e alguns eticistas chegaram ao ponto de afirmar que os seres humanos procuram a felicidade em todas as suas escolhas. Ao desafiar o primado da felicidade, Kant teve uma posição incomum. Em Fundamentação da Metafísica dos Costumes, proclamou que o motivo ético supremo era o dever, não a felicidade. Assim, à primeira vista, quando Bentham declarou que toda a ação devia ser avaliada de acordo com a tendência que aparenta ter para aumentar ou diminuir a felicidade, tudo levaria a crer que estivesse apenas a reafirmar um consenso de longa data. Contudo, numa análise mais atenta, o princípio da maior felicidade de Bentham revela-se muito diferente do eudemonismo tradicional.
Em primeiro lugar, Bentham identifica a felicidade com o prazer: é o prazer que é o impulsionador supremo da ação. O famoso início de Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação diz:
A Natureza colocou o Homem sob a regência de dois amos soberanos, a dor e o prazer. É a eles, e somente a eles, que compete indicar o que devemos fazer, bem como determinar o que de facto faremos. O padrão do certo e do errado, de um lado, e a cadeia de causas e efeitos, do outro, estão presos ao trono deles. Estes amos regem-nos em tudo o que fazemos, tudo o que pensamos: qualquer esforço que façamos para nos vermos livres desta sujeição servirá apenas para a demonstrar e confirmar. (P.1.1)
Deste modo, maximizar a felicidade é, para Bentham, a mesma coisa que maximizar o prazer. Os utilitaristas poderiam citar Platão como seu percursor, uma vez que, no Protágoras, Platão põe a discussão a tese de que a virtude consiste na escolha correta de prazer e sofrimento. Aristóteles, por outro lado, distinguiu entre felicidade e prazer, recusando-se a identificar a felicidade com os prazeres sensitivos. Bentham, pelo contrário, não só tratou a felicidade como equivalente ao prazer, como encarou o próprio prazer como sendo simplesmente uma sensação. «Nesta matéria não há refinamento algum, metafísica alguma. Não é necessário consultar Platão ou Aristóteles. Dor e prazer são aquilo que toda a gente sente com tal.»
Anthony Kenny, Nova História da Filosofia Ocidental, Volume 4, Filosofia no Mundo Moderno, tradução de Cristina Carvalho, Gradiva, (2011)

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