(…) existe um padrão culturalmente neutro do certo e do errado e não é difícil dizer que padrão é esse. Afinal, a razão pela qual criticamos a violação e o apedrejamento não é a de estas ações serem «contrárias aos padrões americanos». Também não criticamos essas práticas por elas serem de algum modo más para nós. A razão pela qual fazemos a crítica é o facto de Mukhtar Mai e Amina Lawal estarem a ser maltratadas – as práticas sociais em questão são más, não para nós, mas para elas. Deste modo, o padrão culturalmente neutro é o da prática social em questão ser benéfica ou prejudicial para as pessoas que são afetadas por ela. As boas práticas sociais beneficiam as pessoas; as más práticas sociais prejudicam as pessoas.
Este critério é culturalmente neutro no sentido relevante. Em primeiro lugar, não implica um favoritismo por algumas culturas. Pode ser aplicado da mesma forma a todas as sociedades incluindo a nossa. Em segundo lugar, a fonte do princípio não reside no interior de uma cultura particular. Pelo contrário, o bem-estar dos seus membros é um valor intrínseco à vida de qualquer cultura viável. É um valor que tem de ser adotado em alguma medida e sem ele uma cultura não existe. É uma condição prévia da cultura, e não uma norma contingente que surge nela. É por esta razão que nenhuma sociedade pode considerar irrelevante este tipo de crítica. A sugestão de que uma prática prejudica as pessoas nunca pode ser afastada com a alegação de que constitui um padrão estranho «trazido de fora» para julgar as práticas de uma cultura.
James Rachels, Problemas da Filosofia, Tradução de Pedro Galvão, Gradiva, 2009, pp. 243-244
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